quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


19 DE JANEIRO DE 2022
ADRIANA IRION

Crianças sem histórias para contar?

Criança é criança. Ou deveria ser. Sabe aquela coisa de viver em um mundo sem preocupações, repleto de imaginação e criatividade, rabiscando, cantarolando, brincando, ralando o joelho, sorrindo e chorando só de vez em quando? Isso tudo e mais um tanto de coisas que vão formando páginas de uma história de vida a ser contada e lembrada lá adiante? Pois tenho visto crianças com realidade bem diferente.

Em uma comunidade na zona sul de Porto Alegre, conheci lindos rostos, mas muitos sem sorrisos. Ao propor que fizessem cartinhas para o Papai Noel, fui desvendando uma realidade que nunca tinha visto tão cara a cara.

- Amigo, o que tu quer pedir para o Papai Noel? Pode me dar três opções. O que tu gosta?

- Nada. Não sei muito sobre mim - respondeu o menino tímido de 12 anos.

- Amiguinha, qual teu nome completo?

- Não sei. E assim vieram várias respostas sobre desconhecer o próprio nome, não saber a idade nem a série do colégio que frequentam. Mesmo alguns já crescidos se envergonham diante da dificuldade de escrever um recado ao Papai Noel. Para a pequena de seis anos não alfabetizada, fiz a carta com os pedidos ditados por ela.

- Agora, pode pegar a folha e fazer um desenho colorido para o Papai Noel - ofereci.

- Não gosto de desenhar - veio a resposta seca. Um mundo sem desenhos infantis? Como assim?

E o rapazinho de 14 anos e boné que zanzava de um lado para outro, carrancudo.

- Vem fazer a cartinha - propus. - Não!

Escondida, a mãe me confidenciou: ele não gosta de fazer porque diz que nunca na vida ganhou algo que pediu. Ufa, não deixa de ser uma página de história, ainda que inquietante. Fizemos a carta à revelia dele. E neste Natal, o jovem ganhou uma chuteira, caixa fechada, cheirinho de nova. Abriu o pacote, sorriu largo, olhou para o amigo do lado e disse: estou com as mãos geladas.

Sim, conheci essas tantas crianças com lacunas em suas frágeis histórias de vida. Não sabem do que gostam, tropeçam quanto ao nome ou a idade, não gostam de desenhar, mal sabem escrever. Esses pequenos exigem de nós a capacidade de decifrar que eles estão sim contando várias histórias: a da urgência da educação eficaz, a da importância do apoio a famílias sufocadas pela miséria e a da nossa obrigação de um olhar permanente sobre a infância, especialmente, na periferia.

Depende de cada um de nós fazer destas crianças personagens de suas próprias histórias, sem tropeços no que deve ser certeza!

INTERINA

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