sábado, 29 de janeiro de 2022


DE CORPO INTEIRO NO MOMENTO

À zero hora do dia 22 de janeiro de 2022, adentrou Parinirvana o monge vietnamita Thich Nhat Hanh, aos 95 anos de idade. Era chamado por seus discípulos e amigos de Thay - "professor".

Houve uma guerra entre Estados Unidos e Vietnã, foi quando ele se destacou por não matar e não odiar, mas cuidar e resgatar seres humanos dos horrores das guerras.

Há histórias tristes e dramáticas de ambos os lados. Uma delas, a de um soldado norte-americano que caminhava com seu companheiro pelos campos de arroz quando ouviram o choro de um bebê. Seu companheiro imediatamente pegou a criancinha no colo. Ela estava envolta em um cueiro simples, de algodão grosso. Ao abrir o pano para verificar o que incomodava o bebê, uma bomba explodiu: seu amigo e o bebê ficaram em pedaços.

Desesperado, o soldado preparou uma vingança. Quando os aviões jogaram mantimentos para os norte-americanos em combate, ele pegou vários sanduiches e colocou pólvora dentro. Deixou o pacote na praça de um vilarejo e ficou atrás de um arbusto assistindo às crianças comerem os sanduiches e as viu se retorcendo de dor até a morte.

Essa imagem nunca o abandonou. Certa ocasião, ele foi ouvir o famoso monge Thich Naht Hanh numa palestra sobre a consciência plena ao respirar e caminhar para encontrar a paz. Ao final, dirigiu-se ao mestre, relatou o acontecido e perguntou o que ele deveria fazer para encontrar a paz.

Thay teria dito que é impossível transformar o que foi feito, mas que ele poderia adotar crianças vietnamitas e lhes dar o melhor - seria a maneira de fazer o bem e se libertar. Parece que esse soldado seguiu suas instruções e embora não houvesse apagado o passado pode, no presente, beneficiar inúmeras crianças.

Os ensinamentos de Thay eram de amor e compaixão. De plena atenção e respeito a vida em sua pluralidade. Aos 93 anos, falou a seus discípulos: "Quando eu morrer, não precisam fazer um grande monumento. Mas, se fizerem, coloquem uma placa dizendo ?não estou aqui dentro? e do outro lado mais uma ?não estou aqui fora?. Onde vocês estiverem respirando conscientemente e caminhando conscientemente, aí eu estarei".

Falava lentamente e estava sempre presente na ação do momento.

Eu o conheci no Zen Center de Los Angeles, quando era noviça, em 1980. Thay fora visitar meu mestre de ordenação Maezumi Roshi. Coube a mim prepara os aposentos para nosso hóspede e fui convidá-lo a almoçar com nosso professor:

- Maezumi Roshi está o convidando para conversarem sobre sua participação durante o almoço em sua casa.

- Pois agradeço. Diga a Maezumi Roshi que na hora do almoço apenas almoço. Podemos conversar antes ou depois da refeição, nunca durante.

Isso foi há 40 anos, e nunca esqueci. Pude viver para confirmar que esse professor extraordinário, que deixou muitos livros de ensinamentos budistas baseado nos textos sagrados antigos e escritos com beleza e poesia, sempre foi coerente com os princípios básicos do Zen de estar inteiro na ação do momento. Plena atenção ao inspirar e ao expirar eram a chave mestra de seus ensinamentos.

Para receber pessoas do mundo todo, criou um espaço de prática na França, chamado Plum Village, e deixou centenas de discípulos, mosteiros e centros de prática em quase todos os continentes. Escreveu textos belíssimos e poéticos e há muitos dos seus livros em português.

Este sábado é o sétimo dia do seu parinirvana, a grande paz final. No YouTube, podemos acompanhar as celebrações fúnebres no Vietnã, em Plum Village e em vários templos.

Que possamos todos despertar e nos tornamos a grande sanga de Buda, pois, como Thay ensinou, não haverá um novo Buda, mas a sanga unida, em amor e compaixão é Buda.

O puro corpo dos ensinamentos não aparece nem desaparece - estará sempre entre nós.

Mãos em prece

MONJA COEN 

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