quinta-feira, 12 de maio de 2022


12 DE MAIO DE 2022
CAPA

Vingar é um verbo viking

Alexander Skarsgård é o protagonista de "O Homem do Norte", terceiro filme do diretor Robert Eggers, que estreia hoje nos cinemas

O Homem do Norte (The Northman, 2022), filme dirigido por Robert Eggers e protagonizado por Alexander Skarsgård que estreia hoje nos cinemas (veja o roteiro da página 3), torna explicável - e ao mesmo tempo inexplicável - o fascínio despertado pelos vikings.

Egressos da Escandinávia (região constituída por Dinamarca, Noruega e Suécia) e exímios navegadores, esses povos prosperaram entre o final do século 8 e o começo do século 11. Durante mais de 200 anos, deixaram suas marcas - ora na base da espada e do saque, ora na base do comércio e da cultura - pela Europa, pela África do Norte, pela costa do Canadá e por territórios da Ásia. Graças à figura antiautoritária, aventureira e honrada que se cristalizou no imaginário popular, expandiram-se também para livros, quadrinhos, filmes, séries, games e até a música.

O terceiro longa do estadunidense Eggers, 38 anos, tem semelhanças importantes e discrepâncias marcantes em relação a A Bruxa (2015) e O Farol (2019). É mais filme de época (a trama começa em 895 d.C) que busca a melhor reconstituição histórica possível - teve como consultor o arqueólogo inglês Neil Price, autor do livro Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte (2021). De novo, ambientação e ritmo são personagens à parte - para a imersão do espectador, é vital o trabalho dos habituais colaboradores do cineasta: o diretor de fotografia Jarin Blaschke, indicado ao Oscar por O Farol, a editora Louise Ford e o designer de produção Craig Lathrop. Outra vez, unem-se a violência física, o horror sobrenatural e os comentários sobre religião e mitologia. Há pelo menos uma reviravolta, e o elenco traz os nomes de Anya Taylor-Joy, Kate Dickie, Ralph Ineson (a família que cai em desgraça em A Bruxa) e Willem Dafoe (companheiro do infortúnio de Robert Pattinson em O Farol).

Mas o orçamento de O Homem do Norte foi de US$ 90 milhões, contra os US$ 4 milhões de A Bruxa e os US$ 11 milhões de O Farol (a duração também é bem mais inchada: 137 minutos, contra 92 e 109, respectivamente.) Por um lado, essa diferença estratosférica possibilitou investir na direção de arte, nos figurinos e nos efeitos visuais, além de pagar os cachês de Skarsgård, Taylor-Joy, Dickie, Ineson, Dafoe, Nicole Kidman, Ethan Hawke, Claes Bang (da minissérie Drácula), Gustav Lindh (do filme Rainha de Copas) e da cantora Björk. Por outro, empurrou Eggers a entregar uma narrativa mais palatável para o grande público - ainda que cheia de sangue, tripas e cabeças decepadas.

Hamlet

Escrito por Eggers e pelo islandês Sjón - coautor dos scripts de Dançando no Escuro (2000) e Lamb (2021) -, o roteiro é baseado na lenda do príncipe escandinavo Amleth, inspiração para Hamlet, clássica peça de William Shakespeare. Logo, O Homem do Norte é uma história de traição - a do rei Aurvandil (Hawke) por seu irmão bastardo, Fjölnir (Bang) - e vingança: a do legítimo herdeiro do trono contra o tio usurpador.

A trajetória do Amleth encarnado na infância pelo inglês Oscar Novak e na vida adulta pelo sueco Alexander Skarsgård - mais bombado do que em A Lenda de Tarzan (2016) - é vista em uma linha reta, apenas pontilhada pelos elementos fantásticos. Os diálogos, em um inglês de sotaque não raro pesado, são repetitivos e expositivos, a ponto de os personagens exprimirem em palavras seus sentimentos conflitantes. E a parte romântica parece mais uma concessão comercial do que uma convicção autoral.

O que eleva o filme na comparação com outros do gênero é o enorme talento do diretor e de sua equipe na construção das cenas. Com a essencial contribuição da música composta pelos estreantes Robin Carolan e Sebastian Gainsborough, conjura-se uma atmosfera de tensão e perigo que, simultaneamente, é sufocante e sedutora. E surpreendente, porque ora Eggers aposta em explicitar a brutalidade, ora só sugere a crueldade.

Os grandes momentos não estão no clímax providenciado por computação gráfica. São as passagens que estendem um olhar mais antropológico para os vikings, permitindo as interpretações paradoxais referidas no início deste texto. Há quem vá se identificar com os berserker, os guerreiros nórdicos dotados de fúria animal. Há quem vá invejar um comportamento regido pelos impulsos. Há quem vá aspirar a uma vida mais aproximada da natureza - os homens surgem cobertos com pele de urso e uivando na companhia dos lobos (e há aqueles que já se apropriaram da cultura viking, como os supremacistas brancos dos Estados Unidos, iludidos por um suposto isolamento racial dos povos da Escandinávia - a arqueologia já provou que havia trocas comerciais, por exemplo).

Mas, em vez de deslumbramento, os vikings de O Homem do Norte também podem provocar repulsa. Ali estão sujeitos dominados pelo seu lado bestial. Ali estão pessoas tão destrutivas quanto autodestrutivas - Aurvandil ressalta: as valquírias só levam para Valhala, o palácio celestial da mitologia nórdica, aqueles que morrem em combate; por consequência, sobreviver é viver na vergonha. Ali estão assassinos de crianças e estupradores. Ali estão os piores dos homens.

TICIANO OSÓRIO 

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