quinta-feira, 19 de janeiro de 2023


No fundo do quintal e da alma

Biografia "O Som que Mudou a História do Samba", de Marcos Salles, revisita os 50 anos de carreira do grupo carioca

Como condensar quase 50 anos em 448 páginas? Este foi o tamanho do desafio de Marcos Salles, jornalista, escritor, produtor, roteirista, diretor de shows e, principalmente, um fã do Fundo de Quintal. Salles foi o único nome unânime entre os integrantes do grupo, entre tantos que já quiseram contar a trajetória da turma que se formou na quadra do bloco Cacique de Ramos, no Rio de Janeiro, e ganhou o Brasil.

O livro Fundo de Quintal - O Som que Mudou a História do Samba (Editora Malê), que já está nas livrarias de todo o país - virtuais e físicas - resgata desde os primórdios do grupo, ainda na década de 1960, até o nome da banda ser sugerido por "Valdomiro, técnico da gravadora TapeCar", ao se dar conta de que o som dos sambistas estava se espalhando e "sempre no quintal das pessoas". O batismo ocorreu em 26 de junho de 1976, na casa de Elza Soares, que comemorava o seu aniversário.

Mesmo sem a intenção de produzir discos, eles acabaram gravando com Beth Carvalho e, em 1980, realizaram o seu primeiro LP, Samba é No Fundo de Quintal. O sucesso, então, foi aumentando. Por esta fase, Marcos Salles foi ao seu primeiro show - mais precisamente em 1984, época do lançamento do LP Seja Sambista Também - e, a partir de então, passou a conviver com os membros do grupo, trabalhando com eles em alguns momentos, inclusive.

Desde a primeira formação, 19 músicos já integraram o Fundo de Quintal. Nomes como Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Almir Guineto, Sombrinha e Ubirany demonstraram os seus talentos, assim como, é claro, Bira Presidente e Sereno - presentes desde o início do projeto. E para contar toda esta longa e bem-sucedida caminhada, o biógrafo realizou 161 entrevistas, que totalizaram 116 horas de gravações transformadas em livro durante três anos e 11 meses.

- Nunca tinha passado pela minha cabeça escrever um livro, ainda mais um livro do Fundo de Quintal. Mas como vivia com eles o tempo todo, foi muito confortável para mim. Outro dia, me perguntaram se eu tive algum obstáculo. Não tive obstáculo algum, porque esse é o meu meio: a música - garante Salles.

Conversa

O seu trabalho foi de março de 2017 até dezembro de 2020, mas, com a morte de Ubirany, integrante e fundador do Fundo de Quintal, no dia 11 daquele mesmo mês, Salles teve de rever a parte que falava do criador do repique de mão. Assim, o texto completo e atualizado foi entregue à editora em fevereiro de 2021. E, nele, mesmo com a responsabilidade de contar a história do grupo, das curiosidades e dos temas polêmicos, o autor explica que utilizou uma linguagem que ele acredita ser a ideal para a sua narrativa: a da conversa.

- O jeito que escrevo é como se eu estivesse falando. É o que aprendi com meu pai, que foi um grande jornalista, Milton Salles, e um cara chamado Carlos Maranhão, que era da revista Placar. Ambos escreviam meio parecido. Então, ler o livro é como se eu estivesse conversando com quem está lendo. Essa é a ideia. E todo mundo está gostando. Para mim, cumpri a meta, fiz o gol - explica.

Agora, ele pretende levar esta técnica para as outras biografias que está escrevendo - e todas ao mesmo tempo: as dos ex-Fundo Almir Guineto (1946-2017), Arlindo Cruz e Sombrinha, e da grande partideira Jovelina Pérola Negra (1944-1998).

Mas, principalmente, ele revela como que o grupo conseguiu se manter relevante por tantas décadas, furando a bolha do Rio de Janeiro e conquistando o Brasil inteiro:

- O repertório deles é ouro. Eles podem ficar fazendo a carreira só em cima dos cinco primeiros discos. É fantástico. Claro que posso gostar de um samba que você não gosta, você pode gostar de um que não acho tão bom assim. Mas a média deles é muito acima de tudo, tanto que eles continuam viajando até hoje. O Bira Presidente tem 85 anos, e o Sereno, 84. E eles não param de fazer shows.

CARLOS REDEL 

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