quarta-feira, 18 de janeiro de 2023


18 DE JANEIRO DE 2023
CARPINEJAR

Formigas e cigarras

Existe um hábito do interior que salva a economia doméstica: pagar todas as contas assim que se recebe o salário. Não importa se os boletos vencem mais adiante. Caiu o dinheiro do mês, todas as pendências são zeradas. Sobra pouco, mas o pouco é real e evita a mendicância dos juros no negativo.

É uma prática de quem veio de pequenas cidades no interior do Rio Grande do Sul. Minha mãe é assim, e ela é de Guaporé. A esposa de meu melhor amigo, Carol, é assim, e ela é de Arvorezinha. Meu grande comparsa de ZH Mário Corso é assim, e ele é de Passo Fundo.

São formiguinhas que seguram a folha dos honorários na cabeça, que não gastam mais do que recebem. E ainda criam uma poupança ou um investimento para guardar parte da sua remuneração.

Dessa forma, você se previne dos arroubos consumistas, de sair torrando o que não pode e depois carecer de recursos para cobrir os custos obrigatórios da sua vida. Pode parecer loucura pagar tudo antecipadamente. Alguns até pensam que é burrice, o equivalente a oferecer grana antes da hora para os bancos e os credores.

A questão delicada é que todo empregado se vê com poder aquisitivo no princípio do mês, porém isso é uma autoridade impostora, uma miragem de duas semanas. Porque ainda não liquidou as faturas da luz, da água, do condomínio, do cartão de crédito, entre tantas responsabilidades. Elas não irão desaparecer ou caducar. Não serão anistiadas.

Você adoece por um falso positivo, contraindo dívidas e cobrindo rombos do cheque especial com empréstimos. Pode perder o sono por desgosto e preocupação. Um mês errado significa um ano inteiro correndo atrás da máquina.

Não dá para se valer do vencimento. É uma referência, não uma imposição. No time oposto das formigas, vemos as cigarras, que respeitam as datas das contas, mas não o próprio saldo bancário. Quitam os seus códigos de barra nos dias 10 e 15, quando o depósito salarial já não é mais suficiente para honrar os compromissos.

As cigarras são acostumadas às cantorias da ostentação, às pedaladas da ilusão, à euforia imediatista, aos adiamentos da capital. Certamente, ao obterem os créditos do dia 5, oferecerão churrasco com bebida liberada aos colegas, farão viagens pela Serra, desfilarão em seus restaurantes favoritos. São milionárias por alguns minutos, inconsequentes, adeptas de curtir intensamente cada momento da existência.

Acreditam que encontrarão um jeitinho redentor para recompor as finanças, que haverá um milagre econômico, ou uma Bolsa-Picanha, ou um sorteio na Mega-Sena, ou um fundo perdido de restituição do governo. A dolorosa verdade é que vivem pedindo ajuda infinita aos pais formiguinhas.

CARPINEJAR

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