sexta-feira, 27 de janeiro de 2023


27 DE JANEIRO DE 2023
CELSO LOUREIRO CHAVES

Cinquenta anos de "matita perê"

Difícil dar-se conta que já faz 50 anos que Tom Jobim lançou seu álbum matita perê (assim, em minúsculas). Então são 50 anos da minha paixão - obsessão, mesmo - pela música-título do álbum, uma longa canção de sete minutos contando uma história de fuga, perseguição e morte em algum lugar árido do interior do Brasil, com muitas referências a Carlos Drummond, Guimarães Rosa e Mário Palmério.

Esta semana Tom Jobim esteve de aniversário e talvez tenha sido isto que me fez voltar, uma vez mais, ao álbum e à canção. 1973: um ano em que Tom Jobim era muito desconsiderado, tratado até com discreto desdém. Sim, isso aconteceu em certo período da sua vida, o que fica difícil de entender, considerando a dimensão mítica que sua obra foi adquirindo desde a morte antes do tempo.

Mas não importava o desdém da época. Com todo o cuidado, o álbum foi gravado em dezembro de 1972 no estúdio da Columbia - terra de Miles Davis - em Nova York, na companhia de parceiros habituais. A previsão mais realista dava conta de que o investimento seria em vão - na consciência musical brasileira, tão variável e cheia de modas e manias, Tom não era mais quem tinha sido e nem quem, se soube depois, viria a ser.

Lançado no primeiro semestre de 1973, matita perê só não passou em brancas nuvens (Rancho das Nuvens é uma das músicas...) porque começava com Águas de Março, canção das mais queridas de Tom desde sempre. Só depois vinha o soco - em música, letra e voz: a história de um chamado João que acorda, foge e morre "no caminho velho onde a lama trava, lá no todo-fim-é-bom".

Matita Perê me impactou desde o primeiro compasso e não descansei enquanto não escrevi sobre ela, para melhor digerir o que ouvia. Escrevi não um, mas três textos, espaçados por vários anos, cada um ouvindo a canção num prisma diferente do caleidoscópio de citações, imagens e orquestrações do percurso de sete minutos inventado por Tom e que passa por quase todas as tonalidades da música tonal (num rascunho do próprio Tom está anotado: "nota 10!").

Os 50 anos do álbum e da canção me inspiraram a reouvir isso que já tenho ouvido tantas vezes e que me acompanha há décadas, como parte da minha bagagem de vida. Justamente: um dos mistérios da canção de Tom Jobim é a capacidade de se reinventar a cada audição, revelando mais e mais camadas de significação expressiva. Ou, como diz a letra de Matita Perê, desdobrando camadas emocionais que são "caminhos de setenta sortes, setecentas vidas e sete mil mortes".

CELSO LOUREIRO CHAVES

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