01
de março de 2014 | N° 17719
CLÁUDIA
LAITANO
O homem errado
Hitchcock
deu título e enredo a uma paranoia universal e arquetípica. No filme O Homem
Errado (1957), Henry Fonda é um músico honesto e pobretão confundido com um
assaltante. O tema da falsa acusação era uma das obsessões do diretor e
apareceria, direta ou indiretamente, em muitos dos seus filmes. Já na
literatura, a matriz de todas as tramas sobre acusações injustas e/ou absurdas
é o livro O Processo (1925), de Franz Kafka, em que um sujeito descobre que
está sendo acusado – só não sabe do quê nem por quem.
Em
12 Anos de Escravidão, que desponta como favorito a melhor filme na premiação
deste domingo e pode dar o primeiro Oscar a um diretor negro, um músico é
vendido como escravo e come o pão que o diabo amassou antes de voltar à
condição de homem livre e contar sua história no livro que deu origem ao longa.
Talvez
haja uma sutil subdivisão no gênero “homem errado”. O inocente confundido com
um criminoso, dentro do escopo da lei, será tratado da mesma forma que o “homem
certo”: julgamento, sentença, cana. A falha do sistema pode ser circunstancial
– a acusação errada –, e não estrutural.
Já
no filme dirigido por Steve McQueen, o negro maltratado por patrões e feitores
não tinha nascido escravo, mas isso não significa que existisse um “homem
certo” para ser privado da liberdade. Ninguém deveria ser escravo, nem ele nem
ninguém – coisa que EUA (1863) e Brasil (1888) reconheceriam tardiamente. A
falha era estrutural, não circunstancial. O drama reside menos na injustiça do
que no fato de que ninguém, em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância, deveria
ser submetido ao que ele passou.
O
caso do rapaz preso por engano e libertado esta semana no Rio de Janeiro é uma
espécie de 12 Anos de Escravidão, versão brasileira e atualizada. Confundido
com um assaltante, Vinicius Romão desceu ao inferno da vala comum dos jovens
pobres, negros e anônimos. Jogado numa cela, sem chance de defesa, foi salvo
pela mobilização dos amigos nas redes sociais.
O
fato de ter feito uma ponta na Globo e de ter acabado de se formar em
Psicologia funcionou como prova de inocência presumida – o que diz muito sobre
a nossa Justiça e ajuda a entender por que políticos com milhões de dólares
desviados para bancos no Exterior nunca passaram uma noite sequer na prisão.
Cadeia é coisa de negro pobre, não de negro de novela da Globo – muito menos de
branco rico. Mas será que existe o “homem certo” neste caso? O assaltante que
realmente roubou a bolsa seria submetido a uma lei que vale para todos ou seria
julgado antes por cor e classe social?
Solto
depois de 16 dias, Romão saiu da cadeia dizendo que encontrou muitos rapazes
como ele lá dentro – o que, obviamente, não surpreendeu ninguém. No Brasil,
1888 e 1988 são os anos que nunca terminam de ficar prontos.