quinta-feira, 15 de novembro de 2018


15 DE NOVEMBRO DE 2018
DAVID COIMBRA

Não sou fake news


Se tem uma coisa que me deixou chateado, nesta semana, foi não ter sido aluno do Nossa Senhora do Cenáculo. Achavam que tinha sido, e me convidaram para participar do jubileu de 65 anos do colégio, que será comemorado no sábado. Contaram que até já me homenagearam por lá e que, no ano passado, minha foto apareceu no telão durante a exposição do trabalho de aula de um aluno da nona série.

Fiquei arrasado. Quando finalmente recebo uma homenagem, não a mereço. Não podia ter desperdiçado essa oportunidade rara.

Agora que sabem que não sou ex-aluno do Nossa Senhora do Cenáculo, certamente serei execrado e nunca mais aparecerei em trabalho algum. "Fake news!", gritarão, apontando-me um indicador acusador. O que posso fazer, senão baixar a cabeça e admitir o embuste? Se bem que há algo em meu favor: foi no Nossa Senhora do Cenáculo que fiz curso de datilografia.

A, esse, dê, efe, gê. Cê-cedilha, ele, cá, jota, agá.

Esses versos estão gravados para sempre na minha cabeça, graças às freiras do Nossa Senhora do Cenáculo. Mas, especificamente, graças a uma certa freira, que nos dava aula. Faz tempo isso, eu adolescia com vagar, acnes e dor. Não tenho certeza se ela usava hábito, talvez não, mas, na minha memória, a freira surge de hábito negro, rosto magro e enrugado, voz de gralha e sorriso nenhum. Parece-me até que ela ensinava com uma régua na mão. Ou uma batuta, sei lá. Só sei que tinha medo dela.

Injustiça - era uma boa irmã, compreensiva, dedicada. Ela repetia o que todos diziam na época: que só teria sucesso na vida quem aprendesse os mistérios da datilografia. Era preciso alcançar a velocidade de não sei quantos toques por minuto e bater com todos os dedos, até o minguinho. E era verdade: se você fosse procurar emprego, abria os classificados do jornal de domingo e via a exigência: "Exímio datilógrafo".

Então, empenhei-me furiosamente. A, S, D, F, G. Ç, L, K, J, H. E consegui. Graças à querida irmã do Nossa Senhora do Cenáculo, tornei-me um datilógrafo exemplar, que usa até o minguinho.

Aliás, naquele tempo, a escola não era Nossa Senhora do Cenáculo. Era Edmundo Gardolinski, o engenheiro que construiu o IAPI. Por que mudou de nome? Não imagino. Nem conhecia essa Nossa Senhora. A propósito: por que "Cenáculo"? Cenáculo é o lugar onde as freiras jantavam, não é? Seria algo como "Nossa Senhora do Refeitório"?

De qualquer forma, não importa. O que importa é que o Gardolinski, ou Nossa Senhora, está, sim, inscrito na minha vida. E tem mais: atrás da escola, há uma escadinha de pedra que leva para os altos do morro. Nessa escadinha, a Alice e a Ariadne, duas beldades do bairro, escondiam o maço dos cigarros que fumavam clandestinamente, sem que os pais jamais desconfiassem de tamanha ousadia. Às vezes, elas me levavam junto para testemunhar a infração. Eu me sentava um degrau abaixo do delas e ficava admirando-as, enquanto elas tiravam baforadas.

- Quer, David? - me desafiavam.

Eu, medroso:

- N-não, obrigado.

Elas continuavam fumando, o queixo para cima, o olhar brilhante, superior, enigmático. Adulto. Eu achava tão lindo? Oh, eu queria fumar e ser tão seguro quanto elas, mas e se começasse a tossir e engasgar na frente daquelas duas rainhas? Não, não, melhor posar de antitabagista saudável.

Ah! Outra: era ao salão do Gardolinski que a Alice ia para as reuniões do grupo de jovens católicos dela, Onda ou CLJ, não lembro, só lembro que eu ia atrás, pretensamente interessado naqueles cânticos de louvor a Cristo, "eu tenho tanto pra te falar, mas com palavras não sei dizer", mas, na verdade, interessado nela, Alice, a morena dona das pernas mais lindas do bairro e do meu coração.

Sim, pode-se dizer que o Nossa Senhora do Cenáculo fez parte da minha formação. Não sou uma fraude completa. Espero que isso seja levado em conta no próximo trabalho da nona série.

DAVID COIMBRA

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