sábado, 24 de novembro de 2018


24 DE NOVEMBRO DE 2018
PIANGERS

Mal-educados

"É por isso que essas crianças de hoje em dia não têm limites", alguém grita em algum lugar, normalmente sem que ninguém lhe peça a opinião, o que prova a falta de limites dele mesmo. "Meu pai me batia e olhem pra mim, sou uma boa pessoa!", insiste ele. Pessoal adora dizer que as crianças de hoje em dia são mal-educadas. Eu pergunto: e os adultos? Já deu uma olhada no trânsito? Já viu uma fila de Black Friday? Já percebeu como falam alto ao telefone? Como estacionam em vaga de deficientes? Como não devolvem troco a mais?

"Eu devolvo!", dirá meu leitor imaginário. Pois aprendeu com seu pai explicando, não dando um tapa na sua cara. O argumento pró tapa é sempre o mesmo: "Meu pai me batia e aprendi". Você não aprendeu por causa da palmada. Você aprendeu APESAR da palmada. A criança que apanha vai ter que escoar o tapa em alguém, no colega da escola, no irmão mais novo, em alguém mais tarde. A violência fica guardada, revoltada, pra estourar lá na frente em algum episódio. Vai voltar em tapas no próprio filho, na esposa, em um acidente de trânsito, em uma briga no estádio. Somos um país bastante violento - violento demais com as crianças.

Sou a favor de nos inspirarmos em outra técnica que os antigos praticavam, mas que está totalmente fora de uso hoje em dia: conversa. É muito interessante como a conversa explica as coisas, ajuda a criar conexão, dá entendimento. Os leitores de mais idade lembrarão de uma época em que os pais conversavam com os filhos, exercitando a capacidade de troca. Está tão em desuso, a conversa. Toda a família no celular, pais que não têm contato legítimo com os filhos não tem autoridade.

Educar dá trabalho, e esta geração de crianças não é pior do que nenhuma outra. Ela tem potencial pra ser a melhor: afinal, temos mais informação, mais pesquisas científicas, mais boas práticas para nos inspirar. Mas temos menos tempo. Estamos sempre correndo. Queremos resolver todas as questões com uma fórmula mágica, imediata. "Toma o tablet e fica quieto". "Toma um tapa e não faz mais isso". Visito escolas públicas e particulares, e todas as crianças pedem só uma coisa: "Olha, tio!". Alguns minutos de atenção genuína e ficam calmos, felizes, agradecidos.

Se você encontrar uma criança mal-educada por aí, não é por falta de palmada. É por falta de atenção.

PIANGERS

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