sábado, 17 de novembro de 2018


17 DE NOVEMBRO DE 2018

CHRISTIAN DUNKER

MAL-ESTAR OU ESTAR?


Costumo dizer que o contrário do mal-estar não é o bem-estar, mas o estar. Conseguir manter-se em situações sem se evadir, negar ou exagerar um determinado estado de coisas e existências me parece um critério mais seguro para a clínica do que a promessa do mais geral bem-estar biopsicossocial, tal como preconiza a Organização Mundial de Saúde e a maior parte das estratégias interessadas em aumentar ou intensificar nossa qualidade de vida.

Bem-estar facilmente evolui para temas como felicidade, satisfação e conforto, que impulsionam nossa atitude avaliacionista em relação a nossas vidas e sua equivalência incontornável com a vida dos outros. Desta forma, a obsessão com o bem-estar nos leva à intolerância com aquilo que é incurável, paradoxal ou incoerente em nossas próprias vidas. Quando não conseguimos aceitar e bem delimitar o mal-estar, sofremos muito mais do que o necessário. Ao final, terminamos em uma atitude ressentida e vulnerável para diversos sintomas, simplesmente porque a vida nos havia prometido mais do que nos entregou.

Isso frequentemente se expressa em uma atitude de inversão cíclica entre a onipotência que atribuímos aos outros, ao mundo e aos demais "zeladores de nossa felicidade", como os políticos, e uma alternância disso em impotência conformista. Soluções drásticas, moldadas sobre repúdios generalizados e indeterminados aparecem, por exemplo, naquele que, diante de uma demissão, afirma para si que seu lugar não é o Brasil, mas algum outro paraíso terreno, ou então, diante de um obstáculo amoroso, desiste de se ligar aos outros.

Uma pesquisa importante sobre eficácia e eficiência das psicoterapias parece subsidiar essa ideia. Seu autor afirma que, durante muito tempo, focamos a análise de resultados das psicoterapias na remoção de sintomas e, a partir disso, comparamos estratégias, usando grupos de controle ou por meio do contraste com placebo. Para surpresa geral, algumas pesquisas têm mostrado que as psicoterapias assim chamadas psicodinâmicas apresentam melhores resultados do que as psicoterapias cognitivo-comportamentais ou do que o uso isolado de antidepressivos, mas que a persistência e a força de seus efeitos podem estar associadas a benefícios não redutíveis à remissão de sintomas.

As psicoterapias psicodinâmicas, que, para efeitos metodológicos, incluem as diversas formas de psicanálise, habilitariam as pessoas a melhor exercer seus talentos, apreciar ativamente as mudanças, sustentar amores significativos com intimidade, pertencer a comunidades, dedicar-se a cuidar dos outros, desenvolver amizade, empatia e humor, extrair sentido de experiências penosas, expressar-se melhor, aproveitar mais o sexo, escutar e respeitar pontos de vista diferentes, adquirir mais responsabilidade e perseguir metas de longo prazo.

Não posso deixar de perceber que essa longa, e de certa forma problemática, lista de atitudes benfazejas não se refere a coisas que queremos tirar de nossas vidas, mas a acréscimos que enfatizam nosso modo de estar com o outro e conosco mesmo. "Estar", para o bem e para o mal, para o pior e o melhor, é a alternativa imediata e real à nossa atitude reativa, higienista ou dietética, que consiste em acreditar que chegaremos ao bem-estar apenas extirpando a causa do mal para fora de nossas vidas.

Christian Dunker escreve a cada 15 dias neste espaço. Na próxima semana, leia a coluna de Paulo Gleich.

CHRISTIAN DUNKER

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