quarta-feira, 14 de novembro de 2018


14 DE NOVEMBRO DE 2018
NÍLSON SOUZA

Videoaulas

Pensando bem, talvez não seja tão estapafúrdia assim aquela ideia de estimular estudantes a filmarem seus professores, apresentada por uma deputada catarinense. Pena que na minha infância e na minha adolescência não tínhamos esta facilidade dos celulares com câmeras e acesso a todas as informações do mundo. Gostaria, sinceramente, de ter gravado todos os mestres que passaram pela minha formação - não para constrangê-los ou denunciá-los, como infelizmente sugeriu a parlamentar, mas para ter imagens de quem só tenho hoje as melhores recordações.

Na falta de vídeos, consulto meus boletins do antigo ciclo primário, que guardo com o maior carinho. Dona Laérte, assim com acento, pois foi do jeito que ela assinou o certificado do primeiro ano, me ensinou a juntar as letrinhas para formar estas palavras que hoje escrevo. Tenho seu nome, mas não recordo seu rosto, nem lembro mais - tantas décadas depois - se ela tinha a voz suave ou enérgica quando pedia para a turma soletrar em coro as vogais e consoantes, pois era assim que aprendíamos a conhecer as letras naqueles tempos pretéritos. 

Dona Zalina me aprovou no segundo ano com a generosa média de 9,5 - e eu sequer lembro se ela era alta, baixa, bonita ou feia. Dona Lourdes, no terceiro ano, me deu nota alta em Educação Moral e Cívica (será que fui doutrinado?) e também não mais recordo de sua imagem. Minha professora do quarto ano chamava-se Dona Ônia. Revendo hoje sua assinatura, tenho a impressão de que o tabelião se esqueceu do S ao registrá-la, assim como também me esqueci da sua fisionomia. Só sei como era Dona Gládis, a professora do quinto ano, porque tenho uma rara foto da formatura das séries iniciais em que ela aparece.

Aprendi a ler e a escrever na escolinha pública do meu bairro, num tempo em que as professoras eram chamadas de "donas" e não de "tias" como atualmente. Se as aulas da minha infância tivessem sido gravadas, é provável que muita gente se espantasse ao ver as crianças levantando-se em conjunto à entrada de qualquer adulto na classe, permanecendo assim até que fossem autorizadas a sentar-se. Hoje uma coisa dessas soaria a autoritarismo. Mas tenho absoluta convicção de que nenhum filme daquela época, se realmente tivéssemos as referidas videoaulas, teria flagrado um professor sendo agredido ou desrespeitado por alunos ou familiares. Tínhamos quase veneração por nossos mestres.

Por isso faço questão de homenagear, saudoso e agradecido, as minhas primeiras professoras.

E aproveito para refazer o convite da deputada catarinense aos jovens estudantes, só que com outro propósito: peçam autorização e gravem mesmo seus professores. Depois, arquivem essas imagens na nuvem e nos seus corações, pois no futuro vocês terão a curiosidade de rever e recordar aquelas pessoas que, sem pertencer às suas famílias, lhes dedicaram tanto afeto e foram decisivas na construção de suas personalidades.

NÍLSON SOUZA

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