quinta-feira, 29 de novembro de 2018


29 DE NOVEMBRO DE 2018

DAVID COIMBRA

A primeira pivica

Ontem o Guerrinha falou pivica no Sala de Redação. Na hora mesma em que ele disse, escandindo as sílabas, "pi-vi-ca", senti gosto de média com pão com manteiga. Pivica é do tempo em que você se encarapitava na banqueta de uma padaria do Centro e pedia:
- Me vê uma média com pão com manteiga, por favor.

Vinha aquele pão que nós gaúchos chamamos de cacetinho e uma xícara de porcelana branca de café com leite, ambos, o pão e o café, fumegando. A manteiga derretia no pãozinho quente como coração de mãe e o café com leite estava na dosagem perfeita, nem muito claro, nem muito escuro, moreno da cor das pernas da Juliana Paes.

Parece que, hoje, no Brasil, só paulistas ainda vão a padarias e montam em banquetas e pedem média com pão com manteiga. Nós, do Rio Grande Amado, é certo que abandonamos esse hábito. Nós não tomamos mais café da tarde, por exemplo, e isso é grave. A minha avó, dona Dina, nos servia café da tarde e, enquanto mastigávamos o pão que ela havia amassado com suas próprias mãos e cozido em seu próprio forno, vez em quando dizia, como disse o Guerrinha:
- Umas pivica que isso vai acontecer!

Pivica, importante ressaltar, não flexiona, não tem plural, a não ser que, paradoxalmente, apresente-se sozinho, numa exclamação:

- Pivicas!

Ontem, quando o Guerrinha falou aquela pivica, não pensei em mais nada, nem sequer me lembro da razão de ele ter pronunciado pivica, porque só fiquei pensando: pivica, pivica? É que sempre quis saber a origem desta palavra e nunca pesquisei a respeito, pelo seguinte motivo: alguém soltava uma pivica no meio de uma frase, eu decidia descobrir o que, afinal, significava aquilo e, depois, a conversa seguia em frente e eu me esquecia da decisão. Mas agora, não. Agora vivemos no tempo do Google, que tudo sabe e está sempre à mão. Então, assim que o Pedro Ernesto chamou o intervalo, deslizei para o mundo virtual e perguntei ao Google, como se fosse um grego perguntando ao Oráculo de Delfos: "O que catzo é pivica?".

O Google não sabia. A palavra está por lá, mas nenhuma resposta foi satisfatória. Ainda não sei o que é pivica, embora tenha uma suspeita: a pivica é obra do povo.

E agora peço que você respire fundo e imagine comigo um momento mágico: o nascimento da pivica. Pense que, um dia, em algum lugar do nosso Brasil, alguém pretendia afirmar que algo não aconteceria de maneira nenhuma, na opinião dele. Era algo forte, tão forte, que ele buscava, mas não encontrava palavra que definisse o que sentia. Era preciso achar o adjetivo perfeito, com uma sonoridade que tivesse significado por si mesma. Aí, numa epifania, ele soltou:
- Umas pivica que vai dar isso!

O interlocutor ouviu aquela primeira de todas as pivicas e se encantou. "Que palavra bem boa!", deve ter pensado. Estava criada a pivica, para todo o sempre.

Quem terá sido esse gênio? Será que ele ainda vive? Será que diz para os amigos "fui eu quem inventou a pivica"? Que orgulho sentirá!

Não duvido que ele tenha inventado outras palavras, porque há muitas que tentam manifestar idêntica assertividade da pivica, também neste terreno da negação peremptória. A saber: lhufas, que, é evidente, trata-se de contração de BU-lhufas. O que é uma lhufa ou uma bulhufa? Um mistério. Mas, se você quiser dizer que não sabe nada de alguma coisa, diga que não sabe bulhufas, e está bem dito. Ou diga que não sabe "xongas", só que, neste caso, cuide para não dizer em ambiente familiar, pois xongas pode ser confundido com um dos tantos apelidos do membro sexual masculino. 

Ou, quem sabe, opte por um ótimo "néris de pitibiriba", expressão que considero notável, porque faz a gente cismar. Eu inclusive acredito que Pitibiriba seja uma cidade do interior paulista e que lá vivia o Néris, sujeito muito negativo, você pedia algo a ele e ele recusava. Donde, o povo, quando pretende rechaçar qualquer coisa, usa-o como ilustração:

- Néris de pitibiriba que vou fazer isso!

Pensando bem, será que Pivica não fica perto de Pitibiriba? É possível. Alguém me informe, porque não sei lhufas de interior paulista.
DAVID COIMBRA

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