14 de janeiro de 2017 | N° 18742
CARPINEJAR
Bom-dia, alegria
Não confio em pessoas sempre, mas sempre alegres. São mentirosas, megalomaníacas, exageram e distorcem os fatos. Não aceitam as pequenas derrotas, os números quebrados, as desilusões, não pedem desculpa, sufocam as contradições naturais do temperamento.
Quem sempre se acha não se conhece, está próximo da loucura.
Todos os meus amigos têm uma pequena melancolia no olhar. Uma tristeza nos fundos dos hábitos. Não são depressivos nem chatos, muito menos pessimistas. Não reclamam de tudo, só que não aboliram a contemplação de seus dias. Entenderam que a tristeza é fundamental, como a solidão, a fé, o amor.
Ficam quietos por horas a fio lendo um livro e vendo um filme, sem aquela ansiedade histérica e falsa do alegre em tempo integral.
A tristeza é como uma doença benigna, que não mata e não atrapalha, que apenas precisa tomar cuidado para não se agravar.
Meus amigos estudam a si mesmos, para as provas dos relacionamentos. Reservam um momento para examinar seus atos. Não somente põem a mão na consciência, lavam as mãos na consciência.
Essencialmente sadios porque conservam este sentimento reflexivo guardado. Já perderam alguém importante, já enterraram um familiar, já sobreviveram a romances errados. Não foram sempre felizes, descobriram que a felicidade acaba e se transforma em esperança.
Persevera neles uma honestidade da imperfeição que resulta nos conselhos mais ajuizados.
Meus amigos não experimentaram uma infância idealizada, cresceram entre encrencas familiares e não se fizeram de vítima. Não namoraram o menino e a menina mais famosos da escola, não há glórias unânimes no passado, sofreram bullying e não se diminuíram.
Doces porque deram espaço para amargura. Cumprimentam com ternura, abraçam com cuidado, mantêm um pouco da fragilidade de vidro na pele.
São meus soldados com cicatrizes das batalhas no corpo.
Não aplacaram essa sensação miúda de desencanto e humildade. É como assobiar sem querer, ou suspirar fundo sem motivo. Não acreditam no sucesso e no fracasso, ambos sinônimos da farsa.
Uma tristeza que é charme, que é simpatia, que convida para a conversa, engajada nos problemas e ruminando soluções em segredo.
Uma tristeza que se contenta com pouco, que oferece pão aos peixes. Uma tristeza subterrânea, necessária para melhorar o mundo. Uma nostalgia do futuro, de escrever cartas e não mandar.
Uma tristeza que veio de algum lugar longe da memória, de uma desconfiança, de uma lealdade quebrada, de uma viagem adiada.
Uma tristeza que não salva o pensamento, e sim conforta e acalma. Uma tristeza sábia, que não é excluída do contentamento.
Uma tristeza capaz de dizer bom dia para a alegria e esperar a resposta.
Meus amigos não choram com esta tristeza, podem estar rindo. E ninguém notar que estão tristes. Demonstram o sorriso sereno de descoberta das limitações de cada um.
Uma tristeza de saber que as coisas não são como a gente gostaria, porém são como a gente pode, que dar o melhor de si ainda não é dar o melhor para os outros e que tudo bem, a vida não é nossa, é somente emprestada para aprendermos a nos despedir.