25 de janeiro de 2017 | N° 18751
MARTHA MEDEIROS
Arte de rua
O que é arte? Difícil responder com precisão. Arte é expressão de beleza, inteligência, harmonia, subjetividade, inquietação, espiritualidade, transcendência. Arte é uma manifestação sensorial a serviço do lúdico sem desprezar o engajamento político e social que porventura tenha. Arte é tudo o que encanta, extasia, comove.
Arte é o que nos transporta para longe do racionalismo limitado e das trivialidades, é a droga autorizada que acelera nossa pulsação e nossos batimentos cardíacos, é o colírio mágico que nos permite desenvolver um olhar mais abrangente para o que nos cerca, é o amplificador da nossa sensibilidade, é a autorização para fugirmos de enquadramentos restritos e expandir nossa existência.
Não significa que toda arte seja ótima e linda. As reações divergem, nunca haverá consenso, mas é preferível discuti-la a ignorá-la.
Grafite também é arte. Não são pichações aleatórias com intuito de vandalizar, e sim desenhos que transmitem um sentimento ou uma ideia que se deseja compartilhar com os habitantes da cidade. É uma forma de personalizar o concreto, de provocar alguma surpresa, despertar a atenção de quem não enxerga mais aquilo que todo dia vê – paredes nuas.
Aconteceu em São Paulo. O prefeito João Doria comandou uma operação limpeza na capital, tentando colocar “ordem na casa”: grafites apenas em locais predeterminados a partir de agora. Tudo bem regularizar, mas há que se ter bom senso e jogo de cintura: os grafismos paulistanos davam colorido à urbe, enchiam de vida o que antes era um espaço de fastio monocromático.
Doria poderia ter discutido com a população as novas regras para a execução de arte de rua sem ter recorrido a uma atitude truculenta: destruir arte já realizada é sempre um crime. As cenas que estão circulando pelas redes sociais, mostrando funcionários da prefeitura pintando de cinza as paredes grafitadas da cidade, são dolorosas. É a volta do opaco em detrimento do vibrante. Antiexcitação. A eliminação do gozo.
As cidades crescem e se tornam opressivas. É preciso resistir com menos carros, mais verde, mais artistas de rua, menos buracos, menos fios enroscados nos postes, mais mesas nas calçadas, mais flores, mais segurança, mais facilitações para a caminhada e o encontro, menos angústia, mais feiras, mais graça de viver. Colocar ordem na casa é, antes de tudo, aceitar que a cidade é mesmo uma casa, e não um jazigo, uma jaula, uma cela. O Brasil anda precisando urgentemente fazer as pazes com a alegria.