24 de janeiro de 2017 | N° 18750
DAVID COIMBRA
Fotos dos pés na areia
Como veterano observador da vida praiana, preparei uma oficina a fim de treinar citadinos que queiram se dar bem no litoral. São inúmeras regrinhas práticas que farão você levar uma existência muito mais prazerosa à beira-mar. Vamos à primeira.
Bem. Estamos em plena época de fotos de pés na praia. Ou na piscina, tanto faz. A pessoa está perto d’água, em trajes de banho, e aí posiciona o celular à altura do umbigo, assesta a câmera num ângulo que capture os joelhos e os pés e... clica. A foto vai para as redes. Para os olhos da humanidade.
Agora pense. Você tem de sentir algum orgulho dos próprios pés para postar uma foto dessas. As unhas precisam estar bem aparadas e não pode haver sinal de joanete. Além disso, há que se atentar para a harmonia dos dedos. Eu tinha uma amiga belíssima, rosto de Charlize, corpo de Massafera, que era adepta de botas. Uma Xuxa morena – li, certa feita, que a Xuxa cultiva duas idiossincrasias: dorme de 12 a 14 horas por dia sem calcinha, para não deixar marcas no corpo alvo, e guarda, em casa, 2 mil pares de botas.
Pois bem. Pense você na Xuxa sem calcinha e deixe-me pensar na Xuxa de botas. Ocorre que considero atraente uma mulher de pernas longas, calçada de botas. E essa minha amiga, que, como disse, era linda, usava botas todos os dias, mesmo no verão.
Até que, em um dia de calores extremos, ela veio de sandália. O povo contemplou seus pés. Não eram grandes demais, nem nada, mas o dedo médio, o terceiro de cá para lá, aquele que, na mão, seria o pai de todos, esse dedo era muito comprido. Comprido mesmo, maior do que os outros. O dedo estendia-se pela sandália e desabava perigosamente sola abaixo, talvez roçasse o chão.
Ainda hoje, muitos anos depois da exposição do dedo, amigos da moça em questão se encontram e, ao falar dela, comentam:
– Lembra daquele dedo que ela tinha?
Surgiu até o boato de que ela havia operado e cortado um centímetro do dedo, mas aí não sei.
É preciso ter pudor, portanto, de publicar fotos de pés que não tenham dedos descendo em escadinha bem-proporcionada. Alguém poderá me criticar, alegando que não é bonito reparar no dedo alheio. Verdade, mas não fui eu quem saiu falando. Foi o povo. O povo fala.
Por exemplo: uma mulher posta uma foto de si mesma no Facebook e logo todas as suas amigas fazem idêntico comentário: “Linda!”.
Ou ela publica a foto dela com uma amiga e acrescenta a legenda: “Muito amor”.
As pessoas são todas lindas e se amam muito, nas redes.
Puro cinismo. Fora das redes, em particular, o povo analisa criticamente a sua imagem. O que significa que a foto dos pés na areia passará por inclemente avaliação.
Eis, pois, a primeira dica da nossa oficina de verão: antes da foto dos seus próprios pés na praia, confira se está tudo certo com eles. Eles podem virar assunto.