segunda-feira, 23 de janeiro de 2017




23 de janeiro de 2017 | N° 18749 
DAVID COIMBRA

Fora, Trump!

Trump definitivamente não é um estadista, e o provou mais uma vez com seu belicoso discurso de posse. Mas ele tem uma família bonita.

Dona Melania estava imperial naquele vestido azul-Grêmio, aquelas luvas de Rita Hayworth, aqueles olhos de gata preguiçosa. Categoria Jackie Kennedy. As filhas de Trump também capturam o olhar de quem estiver por perto, especialmente Ivanka, uma loira muito bem apanhada, de 35 anos de idade.

Um dos olhares que Ivanka teria capturado, segundo as lendas da internet, seria o de Bill Clinton. A cena, flagrada pela TV, é tensa e engraçadíssima.

As autoridades estão de pé, talvez aguardando o discurso. Michelle Obama aparece na frente, e parece suavemente enfarada. Logo atrás, à esquerda, Hillary sorri um sorriso que diz: “Está tudo bem aqui comigo”. Hillary gira o pescoço para um lado, para outro e, por fim, atira o olhar por cima do ombro, para trás. Então vê Bill. Alto, alinhado, cabelos de prata, Bill fita fixamente um ponto que se encontra à sua direita. Olha com vontade, olha mesmo, e Hillary, vendo aquilo, fica séria na hora, fica encarando Bill com a expressão da mulher incomodada, até que ele percebe com o canto do olho e quase lhe dá atenção. Mas, não: volta o olhar para o seu interesse inicial e lá permanece, corajosamente.

Dizem nas redes, que são um lugar onde tudo se diz, que observava Ivanka. Se for verdade, aumenta minha simpatia por Bill. Encantar-se com a beleza de uma mulher é encantar-se com a vida. Com as coisas boas da vida, não com as vaidades e os podres poderes.

Isso que Bill já enfrentou problemas sérios com mulheres. Lembro-me até hoje da sua frase imortal, proferida com voz embargada, quando era presidente:

– Não tive relações sexuais com aquela mulher... senhorita Lewinsky. Ao lado, observando-o com atenção, quem estava? Hillary, linda, quase angelical, vestida de um amarelo que combinava com sua loirice.

Foi pedido o impeachment de Bill, depois daquilo. Mas o que aconteceu, ao cabo de tanto espalhafato? Os Clintons, marido e mulher, viraram o jogo. A população percebeu que havia uso político de um caso particular, perdoou a fraqueza do homem, o impeachment foi rechaçado no Senado, ele terminou o mandato em alta e ela se elegeu senadora.

A população americana mostrou que o que lhe importava era o desempenho de Bill na presidência, não a elasticidade de suas virtudes morais.

Agora, quase 20 anos depois, ocorreu algo parecido, só que contra o casal Clinton: Trump, a despeito de sua calhordice explícita, elegeu-se presidente. Um perigo para o mundo, mas é assim a democracia – os calhordas também têm direito a concorrer e a se eleger.

Eleito, Trump assumiu na sexta. Naquele mesmo dia, houve protestos contra ele. No dia seguinte, ainda mais. Estive lá. Foi uma manifestação forte e cheia de cor. Mas temo que possa ter sido fora de hora.

O racista do Mississipi teve de aceitar Obama ontem; hoje ele espera que a estudante de Harvard aceite Trump. Por que não houve manifestações dessa dimensão antes, durante a campanha? Agora é preciso esperar pelos erros de Trump e, então, pode-se até tirá-lo – como, aliás, fez a população brasileira, no ano passado.

Trump é um bufão. Suas ideias são bizarras e ele é desprezado até por seu partido. Mas nem toda a sordidez do mundo é suficiente para abalar um presidente americano depois de eleito. Já está provado, tanto ao Norte quanto ao Sul: não é a moralidade que derruba um governo. É a economia.