quinta-feira, 19 de janeiro de 2017



19 de janeiro de 2017 | N° 18746 
CARLOS GERBASE

1Q84


Quatro milhões de exemplares vendidos só no Japão e críticas positivas em alguns dos principais jornais e revistas do mundo são provas inquestionáveis de que o romance 1Q84, de Haruki Murakami, é uma obra bem-sucedida. A leitura de suas 1.272 páginas exige um certo tempo do leitor, mas o texto flui fácil. Nos dois primeiros volumes, a narrativa gira em torno de uma jovem assassina profissional e um escritor em começo de carreira. 

No terceiro e último, surge um detetive particular ligado ao submundo do crime. É difícil definir o gênero da trama. Tem boas doses de realismo fantástico, uma pitada de ficção científica e clima de policial noir, tudo cozinhado em molho metalinguístico. Murakami deve ter pensado: com uma história tão longa e pouco convencional, é melhor que o leitor seja muito bem informado sobre o que está acontecendo.

O autor, então, pega o leitor pela mão e vai explicando tudo. Não uma, nem duas vezes. Muitas vezes. A redundância, que costuma ser evitada em nome da compactação narrativa, é a regra de 1Q84. Num primeiro momento, é reconfortante. À medida que eu avançava na compreensão dos aspectos mais esotéricos da história, minhas interpretações eram reforçadas. Passadas algumas centenas de páginas, contudo, a sensação era que Murakami estava me tratando como um leitor burro ou desatento. 

Se Umberto Eco escreve para um leitor enciclopédico, Murakami escreve para um leitor que não tem certeza se vovô viu a uva. Detalhes da consciência dos personagens tornam-se tão redundantes que dá vontade de pular alguns parágrafos. Como sou fã de Murakami – de Norweggian Wood em especial – não fiz isso.

O que os personagens principais pensam, o que os secundários fazem (e porque fazem), as causas e os possíveis desdobramentos dos eventos fantásticos, tudo é mastigado e entregue como um papinha fácil de engolir. Não precisa nem mastigar. 1Q84 às vezes se assemelha a uma novela de TV, em que o roteirista está sempre pensando na possibilidade do espectador perder algum diálogo porque está tirando o jantar do forno. 

Confesso que fiquei um pouco irritado, pois gosto de romances que me desafiam. Ao mesmo tempo, o que me irritou pode ser a principal razão dos 4 milhões de exemplares vendidos só no Japão. Murakami com certeza não ficou irritado.