quarta-feira, 20 de setembro de 2017



20 DE SETEMBRO DE 2017
MARTHA MEDEIROS

Gaúcho sem fronteira


O gaúcho tradicional é aquele sujeito de poncho e bombacha, com um mate na mão, montado sobre um cavalo e trotando em algum lugar próximo da fronteira. Está sempre na borda do Estado, um vigia natural dos pagos, defendendo seu território. Mas é só surgir uma oportunidade, que ele escapa.

Viaje para qualquer lugar no mundo. Qualquer um. Você vai encontrar um gaúcho. Não a cavalo, mas com o bá na ponta da língua.

Tóquio. Entro numa pequena pizzaria (bateu saudade de uma margherita) e há apenas quatro mesas, todas lotadas. Subo para o mezanino. Mais quatro mesas. Lotadas. Eram três da tarde e a fome fazia meu estômago transgredir o silêncio nipônico. Quando estava me virando para ir embora, escutei um "Martha!". Era um japa. Um japa nascido em Caxias do Sul, não me pergunte em que circunstância. "Já pedimos a conta, fica com a mesa". Tri.

Camboja. Estou na fila do embarque de Siem Reap para Bangcoc, quase entrando no avião. Vejo vir em minha direção uma garota de uns 20 anos com a palma da mão aberta. Olho para os lados. Será comigo? Ela está sorrindo, mas temo levar um tapa no ouvido - sei lá, esses países estranhos e seus hábitos exóticos. "E aí, guria!". Ainda sou boa de reflexos, espalmei minha palma da mão na dela. Linda, loira e de Charqueadas, saindo de Siem Reap para a Indonésia. A la pucha.

Brive la Gaillarde. Cidadezinha do interior da França. Foi em outra vida, na época estava casada. Jantávamos num bistrô cujo cardápio não era bilíngue e não existia o Google translator. Sabíamos dizer apenas bon jour e merci, insuficientes para decifrar o menu degustação. Salvos pelo garçom de Encruzilhada, cidade cujo nome era perfeito para descrever aquele momento. Que alívio, tchê.

Mykonos, dentro de um barco. Duas dezenas de turistas sortidos, entre eles três senhoras de Porto Alegre. Chefchauen, cidadezinha do Marrocos: estou fazendo compras numa feira de rua, na dúvida entre levar o colar vermelho ou o amarelo, e uma senhora de Mostardas me ajuda a decidir pelo vermelho. Chacabuco, na Argentina, parada para pernoite num muquifo onde deparo com um alegretense, amparado num balcão, agendando carona para a manhã seguinte. Num trem entre Luxemburgo e Amsterdã, havia um casal não sei de que parte do Estado, mas reconheci o parentesco gaudério quando escutei "loco de especial".

Desertos, geleiras, em trânsito ou aquartelados: gaúchos estão espalhados pelo planeta. Você jamais se sentirá só, a não ser que nunca puxe conversa com ninguém. Se abrir a guarda, surpresa. Encontrará um desgarrado saudoso da terrinha e que hoje, onde quer que esteja, assoviará o Hino Rio-Grandense. Está tão longe, o bagual, que anda desinformado sobre nossas façanhas.

martha.medeiros@terra.com.br