13 DE SETEMBRO DE 2017
MARTHA MEDEIROS
Do que se tem medo?
Já estava com o texto de hoje pronto quando li, ontem, a excelente coluna do David Coimbra aqui em Zero Hora. Resolvi não mudar de assunto, porque o assunto continua pertinente, apenas abordarei o tema por outro ângulo, já que, sobre o que é arte e como ela deve ser avaliada, David deu aula, nada mais a acrescentar. Trata-se da patuscada envolvendo a mostra Queermuseu, que o Santander Cultural cancelou depois que alguns manifestantes do Movimento Brasil Livre (uma ironia este "livre") resolveu chiar.
O que a vida quer da gente é coragem, dizia Guimarães Rosa. Elementar: coragem para estar num mundo em constante transformação, coragem para aceitar o que é diferente de nós, coragem para compreender que não somos o epicentro do universo - ele é múltiplo e, diante de um desconforto, ou nos informamos a respeito do que nos incomoda, ou simplesmente nos afastamos. Deve-se debater, claro, a fim de gerar mais e mais reflexões, mas sem a petulância de exigir na marra que prevaleça uma verdade única.
Não se está falando daquilo que conduz à morte - atos terroristas, execuções e demais violências que não merecem condescendência -, mas de ideias, estilos de vida, posicionamentos artísticos, políticos, religiosos, sexuais. Nada disso interfere diretamente no que você escolheu pra você, tudo coexiste.
Por que se sentir ameaçado? Ninguém pede sua adesão ao que você discorda. Ninguém pede que você seja gay, petista, comunista, elitista, ateu, carola, ninguém obriga a nada, todos usufruem da liberdade de ser o que bem entendem e de se exporem através da arte, da moda e de outras formas de expressão. É o trânsito pulsante das ideologias, onde todos se esbarram, mas continuam trafegando. Censurar é manter uma ideologia trancafiada.
É a isso que se dá o nome de diversidade, tema da polêmica exposição. Arte que uns gostam e outros não, assim como música, pizza, maquiagem, estação do ano. Do que se tem tanto medo a ponto de querer proibir?
Medo, talvez, de que nossos argumentos não sejam suficientemente eficazes para banir outros posicionamentos e opiniões. Medo de que exista a tal vida eterna e que tenhamos que conviver para sempre com tamanha variação de propostas, com a quantidade infinita de pontos de vista - tudo isso aterroriza porque comprova que somos apenas um em meio a bilhões. Diante dessa amplitude de possibilidades, como continuar acreditando que os outros deveriam pensar e viver que nem nós?
O Santander Cultural deu um tiro no pé ao ceder ao medo. Demonstrou estar mais preocupado em afagar o moralismo do que em promover a horizontalidade da nossa cultura. Como se sabe, medo e moralismo são dois aliados imbatíveis contra a modernidade. Menos mal que restou a discussão.
MARTHA MEDEIROS