sábado, 9 de setembro de 2017



09 DE SETEMBRO DE 2017
CARPINEJAR

As camas estão mudas

É triste que as camas estão mudas no sexo. Não gemem mais. Não participam dos vaivém da nudez com os seus rangidos.

Os colchões são de espuma, ortopédicos, duros e firmes, os estrados têm uma firmeza de rochedo. Não existe mais o balanço de mar no balanço do amor.

O colchão de molas inspirava os amantes com os seus chiados. Era um trem apitando, era um barco em tempestade. O quarto inteiro tremia junto. As paredes falavam. O terço chacoalhava na cabeceira. Os quadros entortavam. As venezianas se mexiam. Os espelhos pediam perdão.

O aço nas vértebras da cama enfeitava as nossas emoções. Acentuava a passionalidade e a calidez dos encontros com os seus efeitos sonoros. Agia como um cupido do enredo dos corpos, soando as poderosas trombetas pela vizinhança.

Mesmo as transas mais tímidas eram espalhafatosas. Parecia que todos amavam com intensidade e paixão, com volúpia e pressa.

Não dava para disfarçar e amar quietinho. A cama sofria pelo casal. Gritava pelo casal. Urrava pelo casal. Uivava pelo casal. Humilhava o silêncio do resto da casa.

Assim que o par amoroso abandonava o aposento, a família soltava um risinho malicioso de quem ouviu tudo o que recém acabara de acontecer.

Qual a graça de transar hoje sem o risco de a cama cair? Relação feliz poderia acabar no chão, relação feliz vivia sob constante ameaça de desabamento.

Combinávamos força e precisão para nos mantermos dentro do tatame erótico. Namorar significava aguentar um terremoto. Pedia um equilíbrio extraordinário de beijar, não bater a cabeça e se equilibrar com as inclinações fortes da cama de ferro. Havia o sério risco de voar para longe e esfriar o contato.

Saudade da romântica cama de ferro, sempre recompensada pelos momentos barulhentos de prazer com uma colcha de chenille bem esticada.

CARPINEJAR