quarta-feira, 27 de setembro de 2017




DAVID COIMBRA

O milagre da leitora

Alguns meses depois de eu ter passado por aquela cirurgia no rim, andava meio aéreo pelos desvãos da cidade, tentando manter o ânimo, mas estava difícil. Ainda sentia dores e os exames não tinham sido exatamente bons e tudo parecia nebuloso. Aí aconteceu algo estranho.

Era setembro, e o Sala de Redação seria transmitido ao vivo do Acampamento Farroupilha. Havia muita gente assistindo, o galpão da RBS ficara lotado. Normal que várias daquelas pessoas quisessem falar conosco depois do encerramento do programa, não poucos haviam se deslocado até lá só para isso. Mas, para mim, seria um problema - tinha um compromisso marcado para antes das três da tarde. Assim, decidi sair por trás do galpão e me esgueirar para o estacionamento. Meio antipático, mas não via alternativa.

Foi o que fiz. Quando o Pedro Ernesto deu o boa-tarde final, deslizei encostado nas paredes do cenário e fugi pelos fundos.

Então, a surpresa: havia uma pessoa esperando por mim. Mas como??? Não era possível aquilo... Eu saíra rapidamente e não avisara ninguém.

Era uma senhora de aparência simpática, que levava um grande pacote nos braços. - David! - ela me chamou assim que me avistou. - Quero falar contigo. Havia energia em sua voz. Aproximei-me, perplexo. Antes que perguntasse como ela adivinhara que eu ia sair por ali, ela explicou:

- Não sei por que, achei que te encontraria aqui. Estou te esperando faz mais de uma hora. Sou uma leitora que gosta de ti.

Balancei a cabeça, balbuciando: - Claro... Claro... Ela prosseguiu:

- Vim para te trazer isto - e me pôs o pacote nas mãos. - É uma Bíblia. Trouxe para te ajudar. Quero dizer, também, que estou rezando por ti.

Fiquei meio que paralisado. Uma pessoa desconhecida, que eu jamais vira na vida, saíra da sua casa e se postara atrás de um galpão, esperando um programa de rádio terminar, só para me dar uma Bíblia e dizer que orava por mim...

Aceitei o presente, agradeci, trocamos mais algumas palavras e ela mesma se despediu:
- Eu sei que tu tens compromissos. Pode ir. Fui.

Saí dali flutuando, sentindo-me bem. Realmente bem. Não sei se Deus se comoveu com as orações daquela senhora, mas a mim, sim, ela conseguiu comover. Depois daquele encontro, inflei-me de confiança para continuar a batalha.

Onde será que ela está agora? Onde vive? O que faz?

Não lembro do nome dela, não sei nem se perguntei, tal foi minha desorientação com seu gesto. É possível até que, se a vir de novo, não a reconheça. Mas o fato de ela ter feito o que fez, o fato de ter se movimentado em favor de outra pessoa em um mundo cada vez mais egoísta, sem esperar nada em troca, isso fez a diferença. Era o bem pelo bem, sem segundas intenções, sem a pretensão da recompensa.
Foi bonito.

Aquela leitora anônima provou que, de vez em quando, as orações, de fato, podem realizar milagres.
DAVID COIMBRA