07 DE NOVEMBRO DE 2018
PEDRO GONZAGA
A arapuca do clique
Antes da receita para secar cinco quilos em Porto Alegre, antes do truque para alvejar os dentes à maneira dos cantores sertanejos, antes do segredo para obter uma esplendorosa vida sexual, estava a serpente. Quase podemos vê-la, lançando os primeiros anúncios, depois o mais insidioso, infiltrado entre as notícias correntes do portal do Éden: "Você não vai acreditar nos poderes de cura desta fruta exclusiva".
E ali está a mulher, ainda nua, distraída, perdendo as manchetes de vista. Mas, afinal, Eva, nossa mãe, o que olhais? Cuidado. Evitai as ofertas, não leiais das fake news, não cliqueis nessas letras medonhas, escapai à viperina e horrenda isca.
É tarde. Que dores do parto, que abrolhos e espinhos, que nada, ela só quer saber que fruta é essa fruta.
E assim caiu, como depois Adão (inocente só até vermos o histórico de sua barra de pesquisa), assim a história sequente de todas as quedas humanas.
E não que não soubéssemos de antemão do logro e do perigo. Quais entre nós não sabem reconhecer publicações confiáveis? O fato é que elas nos aborrecem. Haverá alguém capaz de acreditar em cabelos novos a crescer em crânios pelados, em sucos com a virtude de purificar o sangue, em depoimentos de celebridades que perderam tudo?
Descremos, mas clicamos.
Eis nosso pecado original. Não a falta de temor ou o amor a Deus, mas a curiosidade. Diante da verdade rija das tábuas, sempre cederemos ao ícone flamejante e falso, mas, ah, quão atraente, naufragados na cegueira sensual da curiosidade. Mesmo dentro do paraíso já restávamos indefesos à sua lógica sussurrante: Eu sou a linha curva, por isso me queres; eu sou o veludo da noite, por isso me desejas.
Eu saboto avisos consagrados, atrás de portas entreabertas. Por mim assististe a filmes só pelo trailer, por mim compraste livros só pela capa, por mim abriste bebidas só pelo rótulo. Para facilitar-te minha aceitação, disseram-me agente do demônio, este tosco mercador. Pois repara: ele precisa de contratos, de tua alma inteira. Como Deus. Eu, não a quero toda. Contento-me com essa tua parte que esquece da política à oferta de quaisquer bugigangas mirabolantes, que se entrega com voracidade às promoções de última hora.
Eu saboto avisos consagrados, atrás de portas entreabertas. Por mim assististe a filmes só pelo trailer, por mim compraste livros só pela capa, por mim abriste bebidas só pelo rótulo. Para facilitar-te minha aceitação, disseram-me agente do demônio, este tosco mercador. Pois repara: ele precisa de contratos, de tua alma inteira. Como Deus. Eu, não a quero toda. Contento-me com essa tua parte que esquece da política à oferta de quaisquer bugigangas mirabolantes, que se entrega com voracidade às promoções de última hora.
Assim não creias na mordida, na maçã como perdição. Crê na serpente, tua eterna amiga, que mantém a árvore e a fruta pacienciosamente à espera de teu clique inevitável.
PEDRO GONZAGA
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