sexta-feira, 29 de janeiro de 2021


23 DE JANEIRO DE 2021
MARCELO RECH

Podia ser pior

Em 16 de abril passado, quando o coronavírus iniciava sua escalada, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, descreveu-o como um “inimigo feroz” e sintetizou: “É uma guerra, e as Forças Armadas estão nela”. De fato, o ministro fez uma definição precisa do combate à covid, e seguramente, sem o apoio decisivo das três forças militares em todos os cantos do país, a catástrofe teria implicações muito mais dramáticas.

Infelizmente, a visão da Defesa sobre o “inimigo feroz” nunca foi compartilhada pelo único chefe de nação no planeta que menospreza os riscos da doença, ignora as lições da ciência e prefere culpar a imprensa pela tragédia que vivemos. 

Ao apregoar tratamentos sem comprovação, estimular aglomerações e zombar de vacinas e de quem se esforçou por obtê-las, Jair Bolsonaro preside com os sentidos da mãe que vê o filho desfilar desconjuntado do resto da tropa e, orgulhosa, exclama: “Só o Joãozinho está no passo certo!”.

Entrincheirado em suas teses peculiares, Bolsonaro fulminou dois ministros da Saúde até encontrar um cuja carreira se assenta em quatro valores: o respeito à hierarquia, a lealdade e os sensos de dever e missão. Mas o general Eduardo Pazuello não sabia em que guerra estava se metendo quando concordou em ser efetivado no ministério. Não há Eisenhower capaz de tomar as praias da Normandia se o comandante em chefe desdenha da guerra e ataca quem se preocupa com o inimigo.

Sem jogo de cintura e neófito em saúde, Pazuello vem sendo incinerado em campo aberto pelos fiascos na nossa Normandia quando a responsabilidade deveria ser debitada a um degrau acima. Para o Bolsonaro dos “maricas” e da sabotagem às vacinas, a situação é confortável. Enquanto o general, em sua sina, vira um saco de pancadas, o mentor da estratégia da irresponsabilidade se oculta por trás do ministro.

Pazuello pode ter memória seletiva, ser um tanto lento e ruim de comunicação, mas ao menos, até onde se sabe, não acha que vivemos uma gripezinha, não rouba nem deixa roubar.

Em se tratando de Brasília e do bilionário Ministério da Saúde na maior crise da história recente, já é um feito e tanto.

A situação já está difícil com Pazuello, mas quem pede a cabeça dele parece não conhecer a de Bolsonaro. Para o lugar do militar, provavelmente iria um desses dois tipos: mais um negacionista amalucado anti-China seguidor de Olavo de Carvalho ou um charlatão indicado por políticos do centrão eriçados por milionários contratos emergenciais da saúde.

Uma substituição desse quilate equivaleria a nutrir o vírus com fortificante.

MARCELO RECH

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