domingo, 31 de janeiro de 2021


30 DE JANEIRO DE 2021
J.J. CAMARGO

NOSSAS DOCES MENTIRAS 

Estabelecido que todos mentem, talvez devêssemos organizar esse contingente, criticável na essência, mas, pelo que se vê, inerente à nossa condição humana. E precisamos admitir que existem tipos muito diferentes de mentira. Pode-se mentir para impressionar, certamente contando que o outro não perceba, para consolar, quase sempre correndo o risco de ser considerado um idiota pelo consolado, ou para explicar o inexplicável, essa tendência bem latina de confiar que, se você continuar falando, o palerma vai acreditar. Esse último grupo mereceu do genial professor Paulo Saldiva a proposição criativa de um clube: o "Otary Club", onde os otarianos dispensariam crachá por serem facilmente reconhecidos pela capacidade inata de acreditar.

Minha intolerância mais antiga é com o contador de vantagens, um tipo frequente em reuniões sociais e quase obrigatório em entrevistas de emprego. E, como era de se esperar, essa intolerância aumenta com a nossa velhice, porque parece cada vez mais irritante que alguém suponha que, apesar da idade, ainda somos impressionáveis.

Como a mentira é uma bengala para nossa autoestima, quase nada do que se publica nos sites de relacionamento é completamente verdadeiro. Uma pesquisa baseada nas informações obtidas em uma rede social, na Califórnia mostrou que os homens eram, em média, cinco centímetros mais baixos e as mulheres estavam seis quilos acima do peso anunciado. Isso certamente justifica a marcação do primeiro encontro em um lugar público que permita dar uma inspecionada na encomenda, reduzindo o dano do voo cego característico dessas aventuras. A ficção, vista como o modelo mais intelectualizado da mentira, é a prova de que a realidade, além de crua, é muito chata, e ninguém suportaria a literatura que incluísse o bate-papo da fila do caixa do supermercado ou um romance que relatasse a monotonia de uma vida tranquila e intoleravelmente feliz. Então a imaginação se encarrega de maquiá-la.

O incomparável Ariano Suassuna confessava com naturalidade: "Eu minto, minto muito". E dizia-se encantado com três figuras tradicionais das pequenas cidades do interior: o bêbado, o louco e, naturalmente, o mentiroso. Mas fazia uma distinção entre os mentirosos, elegendo o criativo do bem como o modelo divertido da inteligência mentirosa: o exemplo era de um jovem que atribuía o fato de sua família ser a maior produtora de mel do Recife à proeza de seu pai ter conseguido o cruzamento da abelha com o vagalume, de modo que, com uma lanterna na bunda, elas trabalhavam dia e noite. Não reconhecer a criatividade e o bom humor dessa história e incluí-la de imediato no rol do mau-caratismo identifica apenas um dos sintomas de azedume sensorial, frequente nos adeptos do politicamente correto.

No outro extremo, os religiosos trabalham nos seus cultos com uma tese temerária: a verdade liberta. Quando o drama que flagela um indivíduo for a culpa, é previsível que sim, mas, em medicina, a prática da verdade absoluta, tão defendida pelos anglo-saxões, ignora uma realidade indiscutível: nós nunca estamos prontos para absorver toda a notícia ruim. Sempre defendi que dar a alguém o tempo de recrutar suas reservas emocionais para enfrentar a adversidade é, antes de mais nada, um exercício de empatia e compaixão.

Por fim, guardo com muito carinho a lembrança da convocação de um mestre querido que, às vésperas da morte, pediu que eu falasse no seu enterro. E acrescentou: "Se achar que o que fiz foi pouco, exagere. Se ainda assim parecer pouco, minta!".

Por ele ter sido quem foi, não precisei fazer nem uma coisa, nem outra. E sobrou muito.

J.J. CAMARGO

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