segunda-feira, 18 de outubro de 2021


18 DE OUTUBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

O direito de não gostar

O Potter veio me dizer que a música Arranhão já foi ouvida 50 milhões de vezes pelos brasileiros, através do YouTube. É claro que fui atrás desse fenômeno. Acessei o YouTube e procurei pelo vídeo. Assisti.

Meu Deus.

Antes de alinhavar maiores considerações, me diga: por que os sertanejos cantam desse jeito mezzo anasalado, mezzo gritado? É estranho.

Quanto à música em si, não gostei. Sei que as pessoas ficam brabas quando a gente diz que não gosta de coisas que elas gostam, mas o que é que vou fazer? Não gostei mesmo.

Nem desprezo totalmente o gênero sertanejo, para dizer a verdade. Gosto daquela dos 50 reais. É divertida. Gosto também de Nuvem de Lágrimas, das "luzes da cidade acesa" e do grande clássico Evidências. Quer dizer: não é o gênero que é ruim, ruins são alguns dos artistas que se ocupam do gênero.

Já o funk, esse o problema é o gênero mesmo. Alguém pode ficar irritado e argumentar que essa é a forma de expressão das periferias do Brasil. Tudo bem, não nego o direito de as periferias se expressarem como bem entenderem. Que se expressem bastante, e eu escolho se gosto ou não. Até porque nem as periferias nem o funk nem o sertanejo nem o axé nem o gospel precisam da minha aprovação. Eles estão pouco se lixando para a minha opinião. Não reclamo disso. Acato humildemente a minha insignificância. Só que, ainda assim, opino.

Por exemplo: das formas de expressão das periferias, prefiro, de longe, o samba e seus derivados. Aliás, a bossa nova, que é o gênero musical brasileiro mais admirado no Exterior, nada mais é do que o samba que desceu do morro e se homiziou nos apartamentos da zona sul do Rio.

Caras como Caetano Veloso se irritam com quem discrimina gêneros musicais, como estou fazendo agora. Várias vezes ele tomou músicas consideradas bregas, como Sozinho, do Peninha, e as transformou em grandes sucessos, inclusive entre as elites. Caetano tem esse dom. Ele canta Parabéns a Você e todo mundo fica boquiaberto: que lindo! Mas suspeito de que ele não conseguiria fazer a mesma mágica com todas as músicas. Há composições que nem Caetano salva.

Sei bem que muitos mestres, além de Caetano, me criticariam por qualificar obras de arte. "Essa é boa, essa não é". O professor Ernest Gombrich, em seu livro maravilhoso sobre a história da arte, escreveu que "Não há razões erradas para se gostar de uma obra de arte, mas há razões erradas para não se gostar de uma obra de arte".

É basicamente esse o princípio de Caetano Veloso. E, em tese, concordo com eles. Mas, confesso, não consigo evitar: algumas obras de arte eu detesto, como as peças de arte contemporânea que estão espalhadas por Porto Alegre, ou certas músicas de certos gêneros. Espero não ser julgado por isso, porque, afinal, tenho o direito de não gostar. Não me venha com instalações contemporâneas, não me venha com Arranhão, não me venha com miúdos. Não gosto, e pronto.

DAVID COIMBRA

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