sábado, 30 de outubro de 2021

30 DE OUTUBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Que que é isso, minha gente?

Foi um estranhamento na primeira vez em que ouvi. Uma mulher narrando futebol na televisão, sério? Pessoalmente, gostei, tanto quanto gosto quando a Edina é a juíza das partidas ou quando as bandeirinhas dividem o gramado com seus colegas de pernas mais peludas.

Achei a voz da Renata Silveira bonita e acolhedora, gostei do timing - como se diz em português - da narração, das opiniões pertinentes. Passei a prestar atenção nos jogos narrados por ela e ouvi também a Isabelly Morais. As outras narradoras, mil perdões, ainda não conheço.

Por tudo isso, também estranhei quando soube que muitos telespectadores reclamam quando uma narradora é escalada para transmitir os jogos dos seus times. O post de alguém sobre o assunto transbordou o pote até aqui de mágoa, e de preconceito, e de grosseria, e de machismo, sobre a entrada das mulheres no seleto clube dos narradores. Disse o vivente: quem inventou que mulher sabe narrar futebol?

Abaixo, alguns comentários que selecionei entre os que apoiaram a manifestação pouco polida, para dizer o mínimo, do sujeito.

"A voz delas é irritante."

Quase chego a ouvir a voz de quem escreveu isso, uma voz meio fina, alta demais, voz de contar bravata entre amigos no posto de gasolina. As vozes das narradoras são música perto desse quadro auditivo do inferno.

"Elas nem sabem o que estão narrando!"

Sem medo de errar, diria que esse é um típico praticante do mansplaining - a prática masculina de explicar qualquer assunto para as mulheres em tom professoral, como se elas não soubessem nada de nada. O pior é que boa parte do conhecimento desse personagem dos nossos dias é adquirido na Universidade do Zap Zap.

"Elas gritam muito!"

Como é que é? Às vezes parece que o Galvão vai sofrer um colapso, de tanto que berra. Ou que o Pedro Ernesto vai ter uma síncope, fora todos os outros que deixam a laringe colada no microfone depois da transmissão. Aí o pessoal diz, na cara dura, que as narradoras gritam? É aquela coisa, para esculhambar não precisa de argumento, basta uma conta no Facebook.

"Quando é mulher narrando, eu já sei que o meu time vai perder."

Não, amigo. Teu time vai perder porque é pior do que o adversário, ou porque está em crise, ou porque é mal treinado, ou porque faltou sorte, ou tudo isso junto. Certamente a narradora não tem nada a ver com a tua desgraça.

O mais incompreensível, na minha opinião corporativista, é quando as próprias mulheres pegam carona no preconceito. Tomara que case com um jogador e pare de trabalhar, disse uma telespectadora para os KKKKKKK de seus pares. Aí tu me quebra as pernas, querida.

Que fique claro: ninguém é obrigado a gostar da narração feminina. Só espanta que tantos se incomodem a ponto de querer acabar com ela. Que que é isso, minha gente? As gurias são profissionais, preparadas, sabe-se lá o quanto ralaram para chegar na sua sala. Fácil não deve ter sido, ou não teríamos só três ou quatro narradoras em atividade.

CLAUDIA TAJES

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