sexta-feira, 29 de outubro de 2021


29 DE OUTUBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

OS ALERTAS SE CONFIRMAM

Avisos não faltaram. Vão se confirmando aos poucos os vários temores manifestados por economistas e especialistas em finanças públicas após o ministro Paulo Guedes confessar que o governo, combinado com os aliados do centrão, planejava demolir definitivamente o teto de gastos. A desmoralização do mecanismo que, ao limitar a expansão dos gastos, era a principal âncora das expectativas de uma trajetória fiscal benigna do país, em nome de interesses de fundo populista e eleitoreiro, começa a cobrar seu preço. E não é nada barato.

Junto ao estresse no mercado financeiro, com dólar e juros futuros em disparada e bolsa em declínio, acentuaram-se as rodadas de revisões para baixo do PIB de 2022. Mantida a tendência observada até agora de desafiar a lógica e esquecer das lições do passado, o cenário que se desenha no próximo ano tende a ser de atividade em ponto morto e preços ainda em alta. Uma tragédia conhecida como estagflação.

Sem a guarida da política fiscal, sobrou agora para o Banco Central (BC) tentar lutar sozinho contra o dragão das remarcações, o qual, aliás, até ajudou a alimentar no início do ano, ao desprezar os primeiros sinais de alerta e considerar o fenômeno apenas transitório. A elevação de 1,5 ponto percentual da Selic, na quarta-feira, era algo inimaginável um mês atrás. 

Mas, com a péssima sinalização do mundo político e a surpresa negativa do IPCA-15, divulgado um dia antes, parece que o mercado considerou até pouco, como indica o prosseguimento da alta do dólar e a forte ascensão dos juros futuros na sessão de ontem. A elevação da Selic para 7,75% ao ano, com perspectivas de novos apertos, significa freio na economia. Frustrante para um país que recém começa a se recuperar do baque da pandemia. Mas a sensação de que o BC pode, neste momento, não estar conseguindo ancorar as expectativas dos agentes é igualmente alarmante.

A justificativa pública para destroçar o teto de gastos é a necessidade de assegurar a criação do chamado Auxílio Brasil com um pagamento de R$ 400 até o final de 2022. Deste valor, R$ 100 seriam extrateto. É verdadeiro que, diante da frágil situação econômica e social do país, se impõe um programa de transferência de renda aos mais desvalidos. Mas é revelador que alternativas que preservavam a responsabilidade fiscal, com o corte nas fartas emendas parlamentares e diminuição dos gastos com fundos que serão usados em campanhas eleitorais, nem sequer foram cogitadas pelo governo federal e pela maioria do Congresso. Sinal inequívoco de um Executivo fraco e de um grupo parlamentar insaciável. 

Tão guloso, que se noticia uma mobilização para aumentar exatamente esses gastos caso passe a PEC dos precatórios, outra iniciativa duvidosa que especialistas tacham como um calote institucionalizado. A esta altura, pode até parecer ingenuidade, mas é preciso insistir. Os verdadeiros interesses que devem ser preservados são os do país e os dos brasileiros, mirando a construção de uma estabilidade que permita a retomada do crescimento em bases sustentáveis. 

É lamentável que, após um ano se debruçando sobre o tema sem encontrar uma solução, mesmo com saídas responsáveis apontadas por técnicos, alternativas mal-ajambradas motivadas por urgências de cunho eleitoral se imponham. A população mais carente precisa de ajuda, mas é preciso preservar o arcabouço fiscal, sob pena de receber um amparo fugaz que logo ali será anulado pela continuidade da inflação alta, dos juros subindo, da economia claudicante e da manutenção de um mercado de trabalho trôpego.

 

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