19 DE SETEMBRO DE 2022
CLÁUDIA LAITANO
Reconstituição
Houve uma época em que quase todo mundo assistia ao Jornal Nacional - nem que fosse para falar mal depois. O telejornal da Globo era mais ou menos como o almoço de domingo da família. Você até podia reclamar da falta de variedade (ou da qualidade) do cardápio, mas era ali que a conversa acontecia.
Nos últimos tempos, o Jornal Nacional perdeu boa parte da liderança isolada na sala de jantar da família brasileira. Hoje existem outras emissoras, outros jornais e novas plataformas, que mudaram a linguagem e a maneira como as notícias são consumidas. O problema não é variar as fontes de informação, mas trocar o jornalismo profissional, com todas as suas falhas e todos os seus méritos, pela reiterada distorção da realidade. Para os que praticam uma espécie de simulacro de jornalismo, insistir que a Terra é plana ou que as vacinas não funcionam é apenas uma questão de gosto, uma mercadoria a mais num balcão de ofertas em que o valor da farsa e o da apuração séria se equivalem.
Assisto ao Jornal Nacional desde a época em que o Cid Moreira era galã e a Glória Maria estava começando na profissão. (Não perdi o hábito nem quando mudei de país, há pouco mais de um ano.) Em todo esse tempo, nunca assisti a uma série de reportagens tão oportuna, tão urgente e tão bem realizada quanto a que vem sendo exibida neste mês de setembro, sobre a Constituição.
O objetivo dos 23 episódios da série "Brasil em Constituição" era mostrar como a Carta Magna afeta a vida cotidiana de cada um dos brasileiros. Ao examinar de perto as diferentes conquistas da Constituição de 1988, a série acabou se tornando uma comovente - e histórica - celebração da democracia, no momento em que ela está mais ameaçada. É como se os brasileiros precisassem ser lembrados não apenas do que se construiu até aqui, mas de que é possível, com algum esforço, continuar construindo e continuar sonhando com um futuro menos fraturado.
Esse momento de "reconstituição" da autoestima do país precisava do prestígio e da audiência do Jornal Nacional para ganhar alcance e repercussão na sala de jantar da família brasileira. Há muita coisa a ser feita (e refeita) a partir do ano que vem, mas voltar a ter algum otimismo com relação ao futuro do país não é luxo ou fantasia: é questão de saúde mental.
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