quarta-feira, 21 de setembro de 2022


21 DE SETEMBRO DE 2022
JEFERSON TENÓRIO

Repensar o hino é só o começo

O hino do Rio Grande do Sul, como já se sabe, carrega conotações racistas em sua letra. Muito tem se discutido sobre o teor dessas representações que emulam e celebram as práticas escravagistas. Dias atrás, a ministra Rosa Weber evocou um trecho do hino ao tomar posse como presidenta do Supremo Tribunal Federal: "Mas não basta, para ser livre, ser forte, aguerrido e bravo. Povo que não tem virtude acaba por ser escravo". O trecho em questão permite interpretar que povos escravizados não têm virtudes.

Um hino é, sobretudo, um dos elementos que dão unidade ao povo. Geralmente, o hino narra os grandes feitos heroicos e históricos. No caso do Rio Grande do Sul, esses grandes feitos mascaram, na verdade, ações violentas como o terrível episódio do Massacre dos Porongos, em que os chamados "farroupilhas" faziam promessas de dar alforria aos negros ao final da guerra, mas que acabaram sendo brutalmente assassinados. Portanto, outra contradição se apresenta no hino que tanto orgulha os gaúchos: "Foi o 20 de setembro o precursor da liberdade". Mas liberdade para quem?

Questionar o hino é só o começo. É preciso questionar que cultura é essa que celebra o "de modelo a toda terra" e mantém em suas tradições práticas racistas. Entendam que a questão que se coloca não é uma constatação de racismo sem contexto. Estamos falando aqui de práticas sistemáticas de apagamento da contribuição e identidade negra.

Práticas que vão desde o não reconhecimento de intelectuais negros, como o poeta Oliveira Silveira, até a vergonha social de admitir que a cidade mantém incontáveis casas de religião de matriz africana, como candomblé e umbanda. Além da perda progressiva dos espaços centrais ocupados antes por comunidades quilombolas. E ainda não esqueçamos que a data 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, criada no Rio Grande do Sul, nunca foi reconhecida como feriado no Estado.

Portanto, repensar o hino é só o começo. É nos atos simbólicos que também se escondem as violências. Não se trata apenas de mudar uma letra musical, mas ter uma postura ética diante de um passado que produziu atrocidades. Atrocidades essas que ainda reverberam na população negra gaúcha. Ou seja, precisamos olhar com mais honestidade para a história e para as tradições, reconhecendo seus erros e acertos. É preciso um olhar crítico que diminua a arrogância do "modelo a toda terra" e nos faça não apenas "celebrar", mas "rever" nossas façanhas, pois povo que não tem virtude acaba por escravizar.

JEFERSON TENÓRIO

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