terça-feira, 20 de setembro de 2022


20 DE SETEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

Ok, Gugle!

Uma alegoria baseada em fatos reais.

Dona Leopoldina, que não é a Imperatriz Consorte do Brasil, mas apenas uma senhora aposentada de idade indefinida que mora na periferia de Porto Alegre, ainda tem telefone fixo em casa. Por dois motivos, me explica:

- Minha irmã mais velha não sabe usar celular, só me liga pelo fixo. Mas a maior utilidade é quando perco o meu celular pela casa. Aí vou no fixo, ligo para mim mesma e localizo o danado.

É verdade que ela anda um tanto esquecida, mas se mantém bem esperta. Só um pouco inconformada com os novos tempos e os novos costumes em que os jovens vivem tão ligados ao mundo digital que deixam em segundo plano seus parentes analógicos, inclusive pais e mães. Caso de dona Leopoldina. Nenhum dos quatro filhos esteve com ela no seu aniversário, me conta com uma ponta de mágoa:

- Mas todos fizeram chamada de vídeo - acrescenta, como se isso servisse de consolo.

Não consola. Tanto que ela também precisou apelar para um recurso tecnológico para não se sentir tão sozinha na data especial. Tinha aprendido com a filha a questionar a assistente virtual do Google sobre banalidades e curiosidades. Mas desta vez não perguntou sobre tempo e temperatura, nem sobre aquela fila quilométrica do funeral da Rainha Elizabeth. Perguntou sobre solidão:

- Ok, Gugle! Você sabe por que ninguém veio aqui em casa tomar um café comigo? - Sinto muito, não entendi. - Você tem família, Gugle? - Os engenheiros são a minha família. Família é tudo de bom.

- Ah, que ótimo! Filhos engenheiros. Eles costumam ir no seu aniversário? Gostam de bolo de laranja? - Você pode tentar reformular o que disse? - Deixa pra lá. Você pode me contar alguma coisa boa pra me animar? 

- Posso contar uma piada. - Não! Acho que hoje não vou achar graça de nada. Só queria saber porque não recebi nenhum abraço no dia do meu aniversário.

- Não sei ao certo! - Nem eu. Está bem, obrigada. Boa noite, Gugle!

- Boa noite! E dona Leopoldina foi dormir, com o coração apertado e sem respostas satisfatórias para suas angústias. Na manhã seguinte, teve que acionar o telefone fixo para localizar seu celular. Estava no cesto do lixo seco. Ela jura que não sabe como ele foi parar lá.

NÍLSON SOUZA

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