quinta-feira, 22 de setembro de 2022


22 DE SETEMBRO DE 2022
TULIO MILMAN

O primeiro churras

Tinha que ser no 20 de Setembro. Rolou aquele almoço familiar de feriado na casa dos meus pais. Éramos 15. Adoro fazer churrasco. Não significa que eu faça bem, mas não falta esforço. Curto muito escolher as carnes, o carvão, a lenha e fazer o fogo. Aprendi que cozinhar requer disciplina e método. Organizo tudo antes. Chego a cronometrar o assado de tiras. Quatro minutos para cada lado na grelha, fogo bem alto. Sou automotivado. Anos atrás, quando eu ainda fazia comentários no Gaúcha Hoje, o querido Antônio Carlos Macedo, esse baita comunicador com quem tanto aprendi, pegou no meu pé quando eu disse, no ar, que usava acendedor de álcool gel. Rimos os dois. Mas confesso: ainda uso. Acho que Macedão concorda: a essência do churrasco diz respeito à carne, ao fogo e ao afeto.

Nem me importo quando o primeiro comentário na mesa é: "Bah, mas essa salada de batatas está demais".

Para mim, fazer churrasco é uma terapia e uma demonstração de carinho pelos convidados. Justiça seja feita, na terça-feira até ganhei um aplauso coletivo da família. Mas a melhor recompensa foi outra.

Dias atrás, a pediatra liberou o "churrasco sem sal" para a Maya, minha filhinha de 11 meses. Tipo um pedaço de carne que não tranque na garganta e que ela possa segurar.

Na terça, depois de servir a família esfomeada, escolhi um pedaço de vazio com todo o amor do mundo. Dei aquela selada extra na grelha, esperei esfriar um pouco e levei à boca da Maya. Ela deu uma lambidinha, desconfiada. Ato contínuo, puxou da minha mão. Foi aí que tudo valeu a pena. Todos os pães com alho queimados, os entrecots fora do ponto, as costelas cruas. Maya se atracou no "churras do papai" e só largou o naco de carne, seco e retorcido, depois de uns quarenta minutos. Largou não. Deu na boca do Palito, o simpático Fox que rondava a mesa à espera das tradicionais rebarbas clandestinas, geralmente fornecidas pelo meu pai, por baixo da mesa, sem que ninguém note.

Vendo a alegria da Maya ao segurar o pedaço de carne como quem empunha um bilhete premiado da Mega-Sena, me senti o melhor churrasqueiro do mundo. Vocês que são pais e assadores me entenderão. Quando um filho pede "pai, faz churrasco?", algo ancestral, instintivo e belo se acende dentro de nós. Somos ao mesmo tempo provedores, carinhosos, caçadores, acolhedores, fortes e sensíveis. Maya ainda não fala. Mas seus olhinhos e sua voracidade, atracada no vazio que preparei, encheram meu 20 de Setembro de bons sentimentos. Espera, Maya, pra provar sal grosso e o pavê de sobremesa.

TULIO MILMAN

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