10 DE OUTUBRO DE 2022
CLÁUDIA LAITANO
Náufragos
O deputado federal mais votado em 2022 tem 26 anos, 4,3 milhões de seguidores no Instagram e outro tanto no TikTok e no YouTube. Apresentando-se como "cristão, conservador e defensor da família", o mineiro Nikolas Ferreira recebeu 1,49 milhão de votos e já desponta como uma das futuras lideranças da extrema direita no Brasil.
Apesar de Lula ter vencido com uma diferença de mais de 6 milhões de votos, o primeiro turno das eleições mostrou que candidatos que se dizem "cristãos, conservadores e defensores da família" têm boas chances de se eleger no país. Para quem defende o Estado laico, não tem medo de mudanças e aceita todos os tipos de famílias, trata-se de uma péssima notícia - mas não a pior. O que assusta em um fenômeno eleitoral como Nikolas Ferreira não é exatamente o que ele pensa, mas como age: trata-se de um aplicado seguidor da cartilha extremista também conhecida como "guerra cultural". A esquerda tem seu lote de extremistas, é verdade, mas nenhum deles aparece entre os candidatos mais votados. (Guilherme Boulos, do PSOL, só recebeu uma votação expressiva em São Paulo porque conseguiu amenizar sua imagem e seu discurso.)
O guru de Nikolas Ferreira, claro, é Olavo de Carvalho, que conseguiu incutir em seus discípulos a ideia de que não basta se posicionar, é preciso chamar para a briga, "mitar" nas redes, criar factoides. Os argumentos (e o bom senso) importam menos do que o espetáculo na hora de conquistar corações ressentidos e mentes inclinadas a aceitar explicações simples para problemas complexos. Para incendiar a torcida, é preciso inventar inimigos (intelectuais, jornalistas, políticos, artistas, fiéis de outras religiões, "comunistas"...), combater ameaças inexistentes ("cristofobia", "ideologia de gênero") e contrapor-se à ciência abraçando causas como o movimento antivacina e o enfraquecimento das universidades. Não aceitam o diálogo ou a política, no sentido da negociação, porque dependem do confronto permanente para serem reconhecidos. O caos é sua zona de conforto.
"Reacionários não são conservadores", ensina o historiador conservador Mark Lilla. "O reacionário é uma espécie de náufrago em um presente em constante mudança, que sofre com a nostalgia de um passado idealizado." Nikolas Ferreira é um reacionário disfarçado de conservador: um "filhote do olavismo" em sua forma mais bem-acabada e perigosa.
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