21 de dezembro de 2016 | N° 18720
MARTHA MEDEIROS
Desembrulhando pessoas
Faz algum tempo que nós, da família, já não trocamos presentes no Natal. Por vários motivos, entre eles, para escapar desse consumismo que mais estressa do que dá prazer e porque, com a passagem do tempo, ficou evidente que estar juntos é o que importa – presenteamos apenas as crianças, para preservar uma ilusão que ainda as encanta.
Essa consciência acabou chegando também para a nossa turma de amigo-secreto. Já comentei que faço parte de um grupo de 10 amigas que são como irmãs. Tudo começou ainda no colégio e temos um orgulho danado de termos cuidado dessa relação como se fosse um cristal. Estamos constantemente em contato, unidas em todos os momentos, dos mais intensos aos mais frívolos, e o nosso jantar de fim de ano é tão obrigatório quanto o Especial do Roberto Carlos.
Por muito tempo, trocamos presentes entre nós, depois começamos a adotar as cartas de crianças em situação de vulnerabilidade que escrevem para o Papai Noel dos Correios, e neste ano experimentamos ainda outra modalidade de celebração: resolvemos nos presentear com alguma coisa que fosse nossa – mas não algo que estivesse velho ou que não quiséssemos mais. Algo de que a gente gostasse muito, que fizesse parte da nossa história, para que, a partir de então, fizesse parte também da vida da nossa amiga.
Em vez de dar, doar. A inclusão de mais uma vogal no verbo fez toda a diferença.
Entre todos os encontros realizados, foi nosso final de ano mais afetivo. O desapego dá uma polida na alma: ninguém ficou reparando se o presente era de alto ou baixo custo, ninguém percebeu a ausência de uma bela embalagem ou deu falta de uma etiqueta. Prevaleceu a emoção: aquilo que antes estava sob nossa guarda iria ficar sob a responsabilidade de alguém que amamos e em quem confiamos, eliminando o conceito de distância. O “eu” de cada uma se expandiu, virou “eu e você”.
Fabrício Carpinejar, colega de ZH e amigo inspirado, ontem publicou em sua coluna um texto invocando a lembrança comovente das roupas trocadas entre irmãos. Estamos em sintonia, Fabro. Você usou como gancho um hábito de infância que acontecia em tempos bicudos, quando não sobrava grana – hoje, para a maioria, continua não sobrando.
Mas o recurso da doação não precisa estar relacionado apenas ao saldo no banco. Mesmo havendo condições de comprar um caminhão de brinquedos e uma loja inteira de roupas, vale a reflexão, que é manjada, mas sempre verdadeira: o que deveríamos desejar desembrulhar embaixo da árvore são as pessoas que nos cercam e ter acesso ao que elas trazem de bonito dentro. Então, é Natal.