31/12/2016 e 01/01/2017 | N° 18729
MARTHA MEDEIROS
Plateia atuante
A vida fica mais estimulante quando aceitamos o convite para interagir, ao invés de nos isolarmos num mau humor crítico
Um amigo, outro dia, conversava com Zé Celso Martinez Corrêa em São Paulo, no Teatro Oficina, quando o dramaturgo perguntou a ele: você é ator? Meu amigo, que é fotógrafo, respondeu: talvez não para seu critério, mas sim para o meu, já que me considero plateia atuante. Zé Celso semicerrou os olhos, demonstrando aprovação à resposta.
Zé Celso é reconhecido por dirigir não apenas peças, mas verdadeiros happenings provocativos, incitando todos a interagir, dançar, gritar, pertencer ao espetáculo. O que me faz refletir sobre que tipo de plateia atuante temos sido, nós que também somos incitados a pertencer a este espetáculo diário da existência.
Em todo momento, entramos em cena para atuar em um enredo que não foi escrito apenas por nós, mas por várias mãos: criação coletiva. Alguém dá uma festa, o chamado é para celebrar e a plateia é você, que pode contribuir para o sucesso do evento circulando, indo para a pista, ou pode permanecer num canto mal iluminado a fim de dedicar-se a comentários ferinos sobre como as pessoas ficam robotizadas pela felicidade obrigatória imposta pelo calendário, sobre como é indecente sorrir quando tantos sofrem, sobre como a virada do ano é um embuste que só visa o consumismo e a ilusão. É o rosno da plateia que se recusa a suspender a descrença.
De fato, ao fim de cada ano somos incentivados a gastar mais do que podemos, a abraçar quem mal conhecemos e a tomar resoluções meio fictícias, já que quem pretende mudar de vida precisa fazer reflexões mais profundas do que simplesmente repetir o mantra “hoje é um novo tempo, de um novo dia”. Mas isso não é motivo suficiente para se afastar do palco.
Em tudo há um quê de farsa. Estamos todos em um grande teatro. Então, resta assumir nosso papel e desempenhá-lo com integridade. A vida fica mais estimulante quando aceitamos o convite para interagir, ao invés de nos isolarmos num mau humor crítico.
Já que está dentro, esteja.
Reze quando diante de um altar, mesmo sendo ateu. Declare-se apaixonado, mesmo sem nenhuma garantia de que haverá amanhã. Diante de um defunto desconhecido, chore do mesmo jeito, pois sempre temos uma morte íntima a lamentar. Ao pegar uma estrada, abra-se para os imprevistos. Disse sim? Então dê o seu melhor para este sim contribuir para o que está à sua volta.
A vida não tem um roteiro determinado. É um happening no gerúndio: vai acontecendo. Ou você se joga e atua junto – e assim aprende, surpreende, colabora – ou assiste a tudo daquela distância segura de quem dá bastante palpite, mas não se envolve com nada.
Boa entrada em 2017.