30 de dezembro de 2016 | N° 18728
CLÁUDIA LAITANO
Juízo final express
Há livros bons e livros necessários. O romance O tribunal da quinta-feira, de Michel Laub, se encaixa nas duas categorias. Quem incluí-lo na bagagem como leitura de verão não vai se decepcionar com a qualidade e o ritmo da narrativa. Já quem gosta de histórias capazes de refletir, a quente, sobre temas sensíveis da nossa época vai fechar o livro com a sensação de que Laub escreveu a história que precisava ser escrita (e lida) em 2016.
A trama é narrada por um publicitário bem-sucedido, José Victor, recém separado e namorando uma colega 20 anos mais nova. Uma história clichê e que talvez não tivesse maiores consequências (a não ser para os diretamente envolvidos) acaba ganhando dimensão pública quando e-mails de José Victor, redigidos na linguagem bruta e inconsequente da intimidade entre amigos, são vazados para a internet por sua ex-mulher.
A ruína profissional e social do narrador é o desdobramento previsível do contexto retratado em outro livro, Humilhado: como a era da internet mudou o julgamento público, do jornalista britânico Jon Ronson. Lançado no Brasil no ano passado, o livro-reportagem compila alguns casos reais de linchamento moral, como o da mulher que tuitou uma bobagem ao entrar em um avião e ao desembarcar, sete horas depois, descobriu que havia se tornado a inimiga número 1 do planeta.
José Victor não é santo (ninguém é), mas também não é um monstro (poucos somos). Na maior parte das vezes, não age com o objetivo consciente de ferir ou ofender, mas isso eventualmente acontece. A ex-mulher também não é santa (ninguém é), nem bruxa (poucas somos). Ambos erram, acertam, se arrependem. Ou não. Como leitores, também somos juízes nesse tribunal em que esses personagens pisam na bola, se atrapalham, mudam de ideia. Alguns desses erros são graves, outros nem tanto, mas a pena, no tribunal da internet, parece indiferente à gravidade da falta cometida.
Que punição merecemos pelas falhas cometidas na nossa vida privada? Quando as boas intenções da patrulha moral se transformam em “fascismo do bem”? A expressão é do narrador da história: “Todo fascista julga estar fazendo o bem. Todo linchador age em nome de princípios nobres. Toda vingança pessoal pode ser elevada a causa política, e quem está do outro lado deixa de ser um indivíduo que erra como qualquer indivíduo, em meia dúzia de atos entre os milhares praticados ao longo de 43 anos, para se tornar o sintoma vivo de uma injustiça histórica e coletiva baseada em horrores permanentes e imperdoáveis”.
O fato de que todos somos vítimas em potencial de linchamento moral é uma contingência da nossa época, assustadora, mas provavelmente inevitável. Já a decisão de assumir o papel de juiz, policial ou carrasco é nossa – e deveria ser reexaminada todos os dias, várias vezes por dia.
Um 2017 de paz (e da paz) para todos nós.