05 de janeiro de 2017 | N° 18733
L.F. VERISSIMO
Empatia
“Empatia”, nos diz o dicionário, é a capacidade de sentir o que sentiria na situação ou nas circunstâncias experimentadas por outro. Ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele sente, um requisito não só para a solidariedade e a caridade, mas para a vida civilizada. Há situações refratárias à empatia que, por mais que você tente, não consegue imaginar.
Você pode se imaginar preso, mas não consegue imaginar, por ser tão distante das suas expectativas, estar, numa cela em que cabem cinco, com 15 – ou mais. O sistema carcerário brasileiro é um escândalo que atravessa os tempos e os governos e só se agrava. O ódio e a revolta nutridos pela condição desumana das cadeias superlotadas explodem, como nesse horror em Manaus, ultrapassam o nosso imaginário e destroçam qualquer tentativa de empatia.
A empatia falta porque não temos como experimentar o monstruoso, mas também falta em quem tem a responsabilidade de enfrentá-lo e diminuir o escândalo. Nossa empatia com o que sofrem os apenados vai até a selvageria de Manaus e do Carandiru, depois entramos no território do inimaginável, onde a empatia não alcança. Já o descaso de sucessivos governos com a desumanidade das nossas prisões, o outro nome da falta de empatia, é criminoso.
Tanto a nossa falta de empatia quanto o descaso das autoridades, que gera o horror, vêm do nosso passado escravocrata, do tempo da chibata. Persiste um sentimento, não declarado mas evidente, de que criminoso tem que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo imerecido. Vale lembrar que os policiais acusados pelas mortes no Carandiru foram absolvidos.
Em Manaus, duas facções se enfrentaram ferozmente, e os perdedores foram mortos e, em muitos casos, desmembrados. Você lê a notícia terrível e tenta pensar em algum alento. Eram bichos, não eram homens. Não tenho nada a ver com eles. Somos de raças diferentes, vivemos em países diferentes. Mas o consolo não funciona. Sou da raça dos responsáveis pelo que eles se tornaram. Vivemos no mesmo país, mas não há nada que eu possa oferecer aos meus conterrâneos. Nem minha empatia.