11 DE NOVEMBRO DE 2017
J.J. CAMARGO
A FALTA QUE FAZEM AS COISAS MAIS SIMPLES
O consultório pode ser um lugar monótono e desanimador, mas também pode ser divertido e estimulante. Claro que uma parte de como será vai depender do que você leva consigo, mas o mais instigante é não ter a menor ideia do que vai encontrar.
Muitas vezes penso nisso quando empurro a porta e abro o melhor sorriso para anunciar um simpático "boa tarde". Tudo aprendizado de anos de atendimento que me ensinaram o quanto é difícil restaurar uma relação que começou torta. Por isso, insisto com os residentes da importância de ter em mente que aquele paciente saiu de casa com a maior expectativa, fantasiosa ou não, de que encontraria alguém capaz de ao menos ouvi-lo com dignidade, e isso não deve ser considerado um bônus do atendimento médico, mas a rotina entre duas pessoas estranhas, aproximadas por uma circunstância inesperada que vitimou emocionalmente a uma delas.
E como o médico, por mais experiente e generoso que seja, não consegue carregar mais do que um ser humano com suas limitações, problemas e angústias, sempre haverá um dia daqueles em que o modelo de gentileza e doçura não funciona.
Às vezes, se consegue restaurar a cordialidade atropelada, outras não. Muitos meses depois da cirurgia, o Albino fez um comentário revelador: "Hoje, meu doutor, estamos comemorando o nosso aniversário de namoro. E depois de um ano posso lhe contar que só aguentei a primeira consulta porque me disseram que o senhor era muito bom pra consertar a traqueia das pessoas, mas que antipatia naquela segunda-feira!".
O comentário do Albino, um homem tosco, mas afetivo, tinha a sinceridade que marca as pessoas mais puras, e por isso mais confiáveis. Eu não lembrava o que tinha ocorrido na tal segunda-feira, mas fiquei com a certeza de que o extravasamento daquele mau humor, por mais justificado que fosse, tinha sido imperdoável. Menos mal que a tolerância do Albino permitira uma segunda chance que, quando negada, deixa a sequela definitiva com que são penalizados os subestimadores do sofrimento alheio.
Outras vezes, a relação fortuita traz uma revelação inesperada e inesquecível. Quando abri a porta que dá acesso ao ambulatório dos pacientes mais humildes e chamei a dona Rosaura, não houve resposta imediata. Até que uma velhinha, depois do segundo chamado, começou a se deslocar com aquela lerdeza de quem está iniciando a única tarefa do dia. Quando lhe dei a mão, a ideia, como sempre, era de cumprimentá-la, e então, metade porque ela tinha a pele com aquela inconfundível maciez da velhice e outra metade porque queria ajudá-la a percorrer mais rapidamente o caminho até a minha sala, continuamos de mãos dadas.
Ao perguntar-lhe quais eram suas queixas, ela foi muito sincera: "Ah, doutor, eu não queria que o senhor ficasse bravo comigo e me desculpasse de eu não ter nada doendo, mas eu só queria conversar com alguém, e já vou lhe contando que lá fora tem duas mulheres, até mais moças do que eu, que também não têm doença nenhuma. Mas o que aconteceu comigo aqui eu não esperava, e aquelas ciumentas nem vão acreditar. Desde que o Antenor morreu, há 13 anos, eu nunca mais tinha andado de mãos dadas com ninguém".
E encheu os olhos para confessar: "E eu sinto uma falta dele!".
J.J. CAMARGO