segunda-feira, 20 de novembro de 2017


20 DE NOVEMBRO DE 2017
L.F. VERISSIMO

Mudou tudo

Comecei no jornalismo como copidesque, uma função que, imagino, não existe mais. Pensando bem, quase nada das redações daquele tempo sobreviveu à modernização da imprensa. A maior transformação, claro, veio com a revolução da informática, que não só acabou com o copidesque nos jornais como mudou radicalmente a maneira de nos correspondermos com o próximo. Como pudemos viver tanto tempo sem o e-mail?

Escrever e enviar uma carta exigia esforço e paciência, em tempos pré-eletrônicos. Dava tanto trabalho mandar cartas (comprar papel e envelopes, botar o escrito num envelope, endereçar o envelope), que - esqueci, também precisava levar a carta ao Correio e comprar selo - não se sabe como as pessoas tinham tempo para escrevê-las.

Mas escreviam, e muito mais do que nós. Acho até que existia uma relação direta entre a dificuldade para escrever e a quantidade - e a qualidade - do que era escrito. Não há nada parecido, na era dos escritores eletrônicos, com o volume de correspondência dos escritores a pena, que, além de manuscreverem livros que pareciam monumentos, manuscreviam cartas que pareciam livros. Quanto mais fácil ficou escrever, menos os escritores escrevem. 

Os livros ficaram mais finos e a correspondência se reduziu a latidos digitais, breves mensagens utilitárias cheias de abreviaturas, "envia" e pronto. Já um George Bernard Shaw escrevia uma peça atrás da outra com introduções maiores do que as peças e ainda tinha tempo para escrever cartas para todo mundo. Geralmente xingando todo mundo, o que exigia mais tempo e palavras.

Quanto ao jornalismo, a nova técnica também mudou tudo. As barulhentas redações pré-eletrônicas eram áreas conflagradas onde o combate com o teclado duro era um teste de resolução e resistência, um trabalho decididamente braçal. Depois vieram os computadores e o ambiente de chão de fábrica foi substituído pelo de laboratório. Tese: data da informatização o começo do domínio crescente de mulheres nas redações. O fenômeno da bem-vinda invasão feminina pode ser apenas um efeito do teclado silencioso.

L.F. VERISSIMO