sexta-feira, 24 de novembro de 2017



A retrotopia segundo Zygmunt Bauman 

Hoje, se fala muito, se filma e se escreve um monte sobre essa tal distopia. Distopia, lugar ruim, infeliz, espécie de antiutopia. Aliás, a palavrinha surgiu em 1868 no Parlamento britânico, num discurso de Gregg Webber e John Stuart Mill. 

A ideia de fim do mundo, do apocalipse e do fim dos tempos é mais velha que andar a pé e já está lá no último livro canônico do Novo Testamento, publicado em 95 ou 96 d. C, com revelações feitas a João Evangelista na Ilha de Patmos. Retrotopia (Jorge Zahar Editor, 164 páginas, R$ 49,90 impresso e R$ 37,90 e-book, tradução de Renato Aguiar), de Zygmunt Bauman (1925-2017), o grande pensador da modernidade, autor do best-seller Amor líquido, trata da retrotopia, uma busca no passado de elementos que nos deem uma perspectiva de futuro, ainda que ilusória. 

O livro vem em boa hora. Bauman é fundamental para a compreensão das relações afetivas de hoje. Sociólogo e filósofo, com mais de quarenta livros publicados no Brasil pela Zahar, responsável pelo conceito de relações sociais líquidas, Bauman analisou com perspicácia e humanismo a sociedade atual. Retrotopia foi o último livro escrito por Bauman e mostra que a esperança por um mundo melhor deu lugar ao medo de perder o emprego, a casa, o lugar social e mostra como o futuro se transformou num pesadelo e hoje é visto como o caminho para o fracasso e a decepção. 

A utopia buscava um Estado soberano, com estabilidade e segurança. A retrotopia busca, no passado, elementos capazes de nos dar uma perspectiva de futuro, mesmo ilusória. Desde Thomas More até a retrotopia, Bauman percorre os caminhos da utopia e mostra como a retrotopia é fruto do fosso cada vez mais profundo entre poder e política e do desencanto generalizado quando ao futuro e às utopias. 

Movimentos nacionalistas extremos, nacionalismos exacerbados e desejo de pertencer a uma comunidade com memória coletiva viraram epidemia global. Bauman explica que não há atalhos para represar rápida e habilmente as correntes que pretendem "de volta para", e ensina que é longo e árduo o caminho para que os humanos se deem as mãos e busquem bons caminhos. Se não se derem as mãos, os humanos voltarão para suas valas comuns, diz o autor de Retrotopia. Bauman alerta que passaremos por um período com mais perguntas do que respostas e mais problemas que soluções. 

O filósofo enfatiza que precisaremos atuar em meio à sombra de chances muito equilibradas de sucesso e derrota. No fim do volume, Bauman cita palavras do Papa Francisco, que propõe novas divisões dos frutos da terra e do trabalho humano e a implantação de modelos mais inclusivos e equitativos, com a mudança de uma economia líquida para uma economia social. Papa Francisco prega por mais empregos, especialmente para os jovens, através de modelos econômicos que não favoreçam apenas minorias e que sejam capazes de servir melhor à sociedade como um todo. 
a propósito... 

Impossível voltar ao passado. 

Os humanos não acreditam em utopias. Uns acreditam em distopias, outros em retrotopias. Muitos não acreditam em nada. O passado foi, o futuro virá. No presente, onde realmente vivemos, precisamos fazer o melhor. Um vídeo com as últimas palavras de Steve Jobs, criador da Apple, diz muito. No leito de morte (a cama mais cara do mundo), no escuro onde brilhavam as luzes do respirador artificial, ele fala que a fortuna, a glória e a fama lhe davam pouca felicidade. 

Pensando na vida, no fim, refletiu que, em vez de buscar só dinheiro e honrarias, deveria ter pensado mais em coisas importantes como histórias de amor, arte e sonhos de infância. Steve soube que levaria apenas as recordações fortalecidas pelo amor, que o melhor na vida é amar o cônjuge, a família e os amigos, e ajudar o próximo. - 

Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/11/colunas/livros/597585-politica-sexo-e-ficcao-cientifica.html)