13 DE NOVEMBRO DE 2017
L.F. VERISSIMO
Angelitos
Quando nos lembrarmos deste tempo, nos lembraremos de que foi o tempo em que galanteio virou assédio sexual. A própria palavra "galanteio" ficou antiga e sem sentido. Era um elogio dirigido por um homem a uma mulher - nunca de uma mulher a um homem - enaltecendo sua beleza. Os homens que faziam galanteios eram galantes (outra categoria humana que desapareceu) e agradavam às mulheres com seus elogios.
Se havia uma intenção sexual por traz do galanteio, era remota. Importavam mais a criatividade do galanteador e a satisfação da mulher lisonjeada, e o elogio raramente levava à cama. Já havia, claro, uma conotação de poder machista na lisonja: só homens podiam ser galantes. Uma mulher galanteadora seria uma aberração, própria de despudoradas, provavelmente lésbica.
Desenvolveu-se - acho que principalmente na Argentina - a arte do "piropo", que é o galanteio agressivo, sexualmente explícito, mas frequentemente redimido pelo humor ou a poesia. Qualquer homem argentino tinha a liberdade, se não o dever, de dirigir piropos à mulher bonita que passava, sem risco de bolsada na cabeça.
Não sei se a grande virada que transformou galanteio em assédio atingiu a Argentina também ou se os piropos continuam, em respeito a uma longa tradição nacional. Os piropos podiam ser simples e espontâneos - gritos de "guapa!" ou "te quiero!" - ou mais elaborados. Tipo:
"Si Cristóbal Colón te viese diría: Santa Maria, pero que Pinta tiene essa Niña".
"De tu boca quiero un beso, de tu camisa un botón, de tu pensamiento un deseo y de tu pecho el corazón".
"¿Dime preciosa, crees en el amor a primera vista, o voy a tener que pasar dos veces?"
"Dios debe de estar distraído, ya que angelitos como tu se le están escapando".
"Quando te multan por exceso de belleza, yo pagaré tu fianza".
"La luna controla las mareas, y tu mi corazón".
"¿No estás cansada? Es que has estado dando vueltas todo el dia en mi cabeza".
"Si la belleza fuera un instante, tu serías una eternidad".
Se os piropos estão levando a queixas na delegacia também na Argentina, é toda uma literatura que acaba. E merece acabar. Galanteios e piropos são de uma era em que o elogio à beleza disfarçava uma certeza de superioridade e impunidade do homem que nem chamar a mulher que passa de angelito perdoava. Uma era que felizmente, também acabou.
L.F. VERISSIMO