quarta-feira, 22 de setembro de 2021


22 DE SETEMBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

FAZ DE CONTA NA ONU

A performance do presidente da República ontem, na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), evidenciou, mais uma vez, a abissal distância entre discurso e realidade no país governado por Jair Bolsonaro. Se fosse possível destacar e isolar apenas alguns trechos, o pronunciamento até teria elementos que permitiriam despertar alguma esperança e consideração da comunidade internacional. A questão é que, no conjunto da obra, a nação descrita por Bolsonaro é uma terra rumo à redenção, quando na verdade os fatos contrariam grande parte das afirmações transmitidas ao vivo para todo o mundo.

O país pintado por Bolsonaro protege a natureza, os povos indígenas, respeita a Constituição, não tem corrupção, teve um governo sempre empenhado na aquisição de vacinas, é destino de caudalosos investimentos estrangeiros, cresce em ritmo de causar inveja aos seus pares e goza de grande prestígio no mundo. O concreto, sabem bem os brasileiros constrangidos, é o oposto. Nem sequer é necessário desfiar aqui dados e lembrar acontecimentos para mostrar que o presidente passou longe do real. Mas, de positivo, é possível pinçar pontos como o compromisso com o leilão da tecnologia 5G ainda neste ano. É preciso reconhecer também que, em regra, o desempenho financeiro das estatais está bem mais sólido. As menções feitas a leilões e projetos de infraestrutura, da mesma forma, são convenientes, mesmo exageradas aqui ou ali.

Poucos pontos críveis e no sentido correto, entretanto, infelizmente passam longe de apagar o predominante faz de conta. As referências ao risco de o país resvalar para o socialismo, por exemplo, habitam o terreno da fantasia. A espantosa insistência em defender tratamentos que reiteradamente se mostram ineficazes contra a covid-19 consolida a postura anticientífica do presidente. São teses excêntricas engolidas com aplausos no cercadinho do Palácio da Alvorada, mas causam estupefação quando ditas no principal púlpito das nações. Atribuir culpa a medidas de isolamento pela inflação de alimentos, por outro lado, é no mínimo falta de informação.

A espera por um discurso moderado, por fim, foi outra vez frustrada. Bolsonaro foi o Bolsonaro de sempre e preferiu persistir em uma realidade paralela. Funciona para animar o seu núcleo de apoiadores fiéis no Brasil, mas causa apenas assombro e mais antipatia na esmagadora maioria da comunidade internacional. A imagem do Brasil no mundo segue arranhada. É um estrago que exigirá grande esforço, nos próximos anos, para ser revertido.

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