02 de dezembro de 2016 | N° 18704
DAVID COIMBRA
Hoje é o mesmo dia
Estava no supermercado, e estiquei o braço a fim de pegar um cacho de bananas para a batida matinal do meu filho. As bananas se repoltreavam numa pequena gôndola com rodinhas. Um funcionário trabalhava do outro lado da gôndola e, bem no momento em que levei a mão ao cacho escolhido, ele a puxou levemente. Fiquei com a mão no ar e brinquei:
– As bananas fogem! Só então ele me viu. Sorriu e respondeu:
– They always do... They always do... “Elas sempre fazem isso.”
Saí do supermercado rindo da presença de espírito do rapaz.
Mais tarde, naquele mesmo dia, caminhava nas proximidades do meu prédio e deparei com um vizinho, o Bill, que tem 70 anos de idade e anda apoiado em uma bengala. Não que seja tão velho. É que, aos 10, Bill foi vítima de pólio. Conseguiu se recuperar, mas sua perna nunca mais foi a mesma.
Bill olhava para a copa nua de um grande carvalho. Era algo a se olhar, porque, no dia anterior, a árvore estava adornada por uma cabeleira de folhas amarelas. Como chovera e ventara forte durante a noite, as folhas haviam sido todas arrancadas, e agora jaziam no terreno em volta.
Bill mantinha a bengala fincada no chão, segurando-a com a mão direita. Vestia um casaco azul e levava uma boina xadrez na cabeça. Admirava em silêncio os galhos cinzentos. Parei ao seu lado e comentei:
– Que triste... Ele me olhou e respondeu com seu inglês sonoro:
– Oh, no! They always do...
Óbvio que o sentido da frase de Bill era diferente do da brincadeira do rapaz do supermercado. Mas aquele comentário veio a calhar devido ao que vinha pensando. Porque era exatamente o contrário.
Pensava que, neste tempo de mundo conectado, os fatos se sucedem de maneira sôfrega.
Fidel morreu não faz uma semana, não foi nem sepultado ainda, e já é notícia velha.
Dilma? O que é feito de Dilma, aquela antiga presidente que gostava de ser chamada de presidenta? Ela é passado. E será que alguém lembra se Eduardo Cunha continua na cadeia?
Tudo tão rápido, que parece tudo novo. Na verdade, não é. Na verdade, os dias se sucedem de forma exatamente igual. O sol se erguerá no mar pela manhã e se deitará atrás do rio no fim da tarde seja lá o que possa acontecer entre Nova York e Porto Alegre. A natureza seguirá seu ritmo sem reparar se você está ansioso ou se tem razão.
Então, por que pressa? Por que angústia? Por que se incomodar com o que o outro pensa ou deixa de pensar?
Estou olhando aqui para aquele carvalho. As coisas estão acontecendo agora mesmo no mundo inteiro e nós dois continuamos envelhecendo devagar. Alguém ganhou, alguém perdeu, as pessoas estão voando dentro de seus carros. Pensei, por um instante, que deveria estar produzindo algo de útil, ganhando dinheiro ou aprendendo sobre qualquer dessas tantas atividades humanas. Ou talvez não. Talvez devesse ficar onde estou, simplesmente olhando para a grande árvore. Amanhã vai ser outro dia. O mesmo dia.