06 de dezembro de 2016 | N° 18707
CARPINEJAR
Tempo emocional
Quantas décadas passaram entre 29 de novembro, madrugada da tragédia da Chapecoense, e 30 de novembro? Em uma única data, correram quantas semanas?
Foi um pesar violento, que 24 horas e 365 dias não fizeram mais nenhum sentido para abarcar o que transcorreu na intimidade da existência de cada um. Tudo o que aconteceu em outubro e setembro parece que está longe demais. Eu tenho que me esforçar para lembrar. Sinto que troquei de ano várias vezes em um ano, que me despedi das folhas do calendário em solitária noite.
O choque, o susto, a calamidade inspiram a reprisar o mesmo ato, de tal modo que você vive uma lembrança eternamente. Você recua e avança na recordação sem força para alterar o imponderável. O destino impacta a sua estabilidade, destrói o seu romantismo e nada mais é fixo e imutável.
O sofrimento nos deixa antigos. A dor nos envelhece rapidamente. O tempo emocional se sobrepõe ao tempo físico. O tempo emocional é o que vigora nas palavras e na realidade sensível. É um fim de uma crença que chega antes do fim do ano, é o Réveillon silencioso de um ideal sem espocar de fogos nem brindes.
Não mudamos de idade, não mudamos a aparência, mas somos outros por dentro, amadurecemos forçosamente. É quando somos abalados por uma tristeza tão grande que a sensação é de que atravessamos a metade de um século em um piscar de olhos. Pode ser um desemprego ou um término de um romance, é algo que não esperávamos e que consome a nossa paz e rotina, que devora a nossa tranquilidade e não tem como fingir indiferença.
Choramos, acumulamos insônia e nos encolhemos no sofá em posição fetal assistindo ao noticiário, com os olhos parados naquilo que é passado e que também não se esgotou como futuro.
Quem já não perdeu um familiar e não acordou como se estivesse sonhando, não crendo, com a impressão do impossível experimentado?
Quem já não se separou de alguém que amava muito e não atravessou a mais funda desilusão? Toda renúncia entorta os relógios e adoece a solidão.
O tempo emocional sempre manda quando transformamos a nossa maneira de pensar a vida, quando a ingenuidade é assassinada, quando o nosso riso é mais difícil de sair dos dentes para os lábios.
Com a morte de Tancredo Neves abandonei a infância, com a morte de Ayrton Senna deixei a adolescência, com a morte dos Mamonas Assassinas ingressei na maturidade. A queda do avião com o time da Chapecoense talvez seja o meu portal para a velhice. Já seguro o guarda-chuva como uma bengala, apoiando o peso do país em meus ombros.