quarta-feira, 4 de janeiro de 2017



04 de janeiro de 2017 | N° 18732 
DAVID COIMBRA

Você é de direita ou de esquerda? Você é de direita ou de esquerda?

Não dá para responder marcando com um X na alternativa correta sem pelo menos cinco minutos de considerações, não é?

Se bem que as coisas mudaram. Hoje, muita gente se assume orgulhosamente de direita, algo impossível no Brasil de poucos anos atrás. Não faz muito, chamar alguém de direitista era ofensivo.

Esse novo comportamento, esse bater no peito, esse olhar de desafio é uma reação ao PT. Tanto os petistas tentaram estigmatizar seus críticos como “de direita”, que eles assumiram: “Quer saber? Sou de direita mesmo!”.

É a saída de quem adota o apelido jocoso como trunfo, comum nas torcidas de futebol. Antes, era gozação dos adversários, hoje o Fluminense é pó de arroz, o Palmeiras é porco, o Coritiba é coxa e no Beira-Rio há torcedor fantasiado de macaco.

Mas, na maioria dos casos, o direitista convicto não parece ter noção real do que é ser de direita. Parece apenas ser oposição a tudo que o PT diz representar ou a bandeiras que diz defender.

A direita pura, a direita de cartilha, seria conservadora nos costumes e liberal na economia. Seria contra o aborto e a liberação das drogas, por exemplo. E a favor do Estado mínimo.

Em tese, esse direitista ideológico defende integralmente o sistema americano. Mas, nos Estados Unidos, o aborto é permitido e a cada eleição aumenta o número de Estados que liberam o uso recreativo da maconha.

Quanto ao chamado Estado mínimo, ocorre algo curioso: nos Estados Unidos, sinto muito mais a presença do Estado do que no Brasil. Na segurança, nos serviços públicos, na administração da Justiça, o Estado está por toda parte. Mas também é verdade que, nos Estados Unidos, as empresas de petróleo são privadas.

Outra: o Obamacare, tão contestado pelo republicano Trump, foi inspirado no programa de um republicano, o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney.

Confuso. No Brasil, o Estado falha na tutela dos presos, e falha grotescamente, como se vê nas rebeliões em presídios. Falha também na segurança pública e falha nos serviços. A Justiça é lenta e o cidadão é desrespeitado. Mas o Estado tem uma empresa de petróleo.

No Brasil, há o Bolsa Família, que muitos dizem ser paternalismo. Talvez seja. Mas empresários ganham incentivos fiscais e conseguem empréstimos com juros abaixo dos de mercado, filhas de militares já mortos continuam ganhando pensões, funcionários públicos não aceitam perder suas aposentadorias integrais ou sua estabilidade no emprego, parlamentares têm foro especial e juízes têm auxílio-moradia.

O Estado se mete em tudo no Brasil, e não funciona em nada. O Estado concede muito, mas não faz quando tem de fazer. O Estado é a mãe bondosa, pena que relapsa. É o pai ausente, que não esquece de dar a mesada.

Todo mundo sabe disso e todo mundo condena isso. Todo mundo se queixa dos privilégios... dos outros.

O Brasil não é socialista. O Brasil não é capitalista. O Brasil é populista e patrimonialista. Não faz diferença ser de direita ou de esquerda no Brasil. Faz diferença quem ganha. Se eu ganho, é obrigação do Estado. Se você ganha, é privilégio. Importa é quem grita mais. Vamos reclamar.