segunda-feira, 12 de março de 2018



12 DE MARÇO DE 2018
CÍNTIA MOSCOVICH

A FORMA DA QUEIXA


No domingo passado, nem bem a equipe de A Forma da Água terminava os agradecimentos pelo Oscar de melhor filme que vinha de receber, começou nas redes sociais uma gritaria de indignação. Um dos motivos da revolta era que a realização de Guillermo del Toro, que também levou os prêmios de melhor direção, trilha sonora original e design de produção, não convencia como filme "sério", sendo antes uma dessas produções "fofas" feitas para agradar a torcida. Outros revoltados resolveram destilar a bile negra: xingaram a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de cafona, previsível, bocejante e sem graça.

O filme de Del Toro, girando em torno do romance de uma faxineira muda e de uma criatura aquática capturada na foz do Amazonas, trata de amor e de suas impossibilidades, coisa que nem de longe é uma novidade. Ambientado em plena Guerra Fria, o filme divide as pessoas em boas e más, o que tampouco é grande avanço narrativo. Mas a delicadeza com que se combinam trilha sonora, cenários, cores, texturas, interpretações e silêncios é algo tão belamente arrasador que pode justificar a estatueta. Eu vibrei com o prêmio.

Com relação à má vontade que muitos têm com a Academia, aí a coisa fica misteriosa. Há 90 anos, o Oscar é uma festa da indústria cinematográfica americana para a indústria cinematográfica americana. Embora transmitida para bilhões de pessoas, o caráter da festa é absolutamente doméstico: imagino que até quem não more em Los Angeles tem dificuldade para achar alguma graça na maioria das piadas. Sempre foi assim e sempre será, e não temos a mínima ingerência sobre isso, a não ser desligar a televisão.

Acho que, no dia em que a gente conseguir fazer uma galeria homenageando nossos cineastas mortos - ou os vivos! -, no dia em que tivermos plateias que tenham o costume de frequentar cinema e artes de palco, só por isso a gente teria moral para criticar a Academia, a cafonice toda e os filmes fofos.

Antes disso, deixemos que eles façam a festa deles, apague-se a televisão e vamos dormir mais cedo. Pode ser?

cintiamoscovich@gmail.com - CÍNTIA MOSCOVICH