14 DE MARÇO DE 2018
DAVID COIMBRA
A neve que cai e o filho que vem
Hoje vai nevar o dia inteiro. Está havendo aquilo que os americanos chamam de blizzard - uma tempestade de neve. Acordei cedo e fiquei olhando pela janela. Flocos grandes, do tamanho de uma moeda de um real, caíam devagar, como se fossem folhas que se despegam das árvores no outono. Os flocos flutuavam até o chão e iam formando uma camada de creme leitoso que aumentava a cada hora.
Dá uma preguiça...
Olhar para a neve que cai é, um pouco, como olhar para o mar indo e vindo pela eternidade.
Apesar de todo o realismo do cinema e da abundância de vídeos na internet, nunca pensei que um dia de nevasca pudesse ser assim. Fiquei surpreso no meu primeiro inverno bostoniano. Sou um homem dos trópicos, afinal. Já disse que me considero irremediavelmente brasileiro.
Isso me faz pensar em todas as coisas que não sei simplesmente por não ter experimentado. Falo de coisas boas, é óbvio, que das ruins prefiro não tomar conhecimento.
O repórter, de certa forma, trabalha para resolver essa questão. Ele observa, ele conversa, ele pergunta, ele tenta se informar para compreender histórias diferentes da sua. Acho que consegui cumprir essa tarefa algumas vezes, então não tenho tanta curiosidade para descobrir como se sente, por exemplo, quem vive em um castelo na Escócia ou em um farol na ponta da Patagônia ou em um bangalô das Ilhas Maldivas, embora essas vidas decerto sejam interessantes.
O que me fascina, de fato, são experiências que sei que jamais terei. Duas em especial. A primeira seria marcar gol em um estádio lotado e ganhar o campeonato. Essa sensação certamente é melhor do que o paroxismo do sexo. Luan, meu rapaz, você é um sortudo.
A outra experiência, mais do que arrebatadora, é intrigante. Neste momento, é o que me ocupa a cabeça, porque a mulher do meu irmãozinho Potter, a Marcella, deve ganhar nenê nos próximos dias. Quando estava em Porto Alegre, olhei para aquela barriga onde se espreguiçava o menino que será batizado de Federico e disse para mim mesmo: cara, tem uma criança aí dentro...
Sei bem que se trata de uma experiência prosaica, porque, ora, é algo que acontece todos os dias, algo que já se repetiu bilhões de vezes no planeta, e que provavelmente continuará se repetindo. Mas, não adianta, fico espantado quando vejo uma grávida. Uma PESSOA está crescendo nas entranhas dela! Isso é quase assustador. Como é que pode? Botar ovo não seria menos selvagem?
Só uma mãe é capaz de dizer o que significa a gravidez. O pai tem sua contribuição, lógico, mas aquele ser vivo não sai de dentro dele chorando e esperneando, sua participação se limita a acrescentar ingredientes. O que será que pensa a grávida? Será que se inquieta com a responsabilidade? Ela pode gerar um Freud, um Churchill ou um Geromel, mas Hitler também teve mãe. Todos aqueles engravatados de Brasília tiveram mães!
O mais célebre e simbólico encontro de grávidas ocorreu há 20 séculos. Maria, que descobrira a gravidez recentemente, foi visitar sua prima Isabel, que já estava além do sexto mês. Quando Maria entrou e saudou Isabel, o nenê na barriga de sua prima se mexeu. Isabel ficou impressionada, porque o menino havia reconhecido a voz de Maria. E disse:
- Bendita és entre as mulheres! Bendito o fruto de teu ventre!
Essa frase, "bendito o fruto de teu ventre", tem um poder que vara os séculos. É a senha que toda mãe quer ouvir. Não por acaso é recitada em oração.
Você já deve ter especulado a respeito. Eu especulo sempre. E me admiro sempre. Carregar um filho no ventre deve ser como... como marcar um gol na decisão. Luan e Marcella: vocês são mesmo pessoas especiais.
DAVID COIMBRA