sábado, 24 de março de 2018



24 DE MARÇO DE 2018
JJ CAMARGO

DO QUE SERÁ QUE SERÁ?

Todo mundo sabe que vai morrer, mesmo aqueles que, por juventude plena ou negação absoluta, nunca pensaram no assunto. Entre os jovens, entende-se que seja assim, porque, afinal, as ameaças verdadeiras estão tão distantes no imaginário fantasioso deles que é como se não existissem. Certamente por isso há tanto pânico no olhar de um garotão que descobriu, por um acidente ou doença incomum, que a possibilidade da morte é real.

À medida que os anos passam, o desgaste biológico minando o entusiasmo vital, a progressiva escassez de paixões violentas e a seguir de paixão nenhuma, as humilhações, as frustrações repetidas e, muito especialmente, as mortes sucessivas dos contemporâneos acabam induzindo à naturalidade da morte, que pode não parecer consciente, mas está lá revestida como preocupação pelo futuro dos filhos, a investigação dos melhores seguros de vida ou, mais contundente, a discreta colocação para débito em conta de um plano familiar para a cremação.

Um colega meu, para quem liguei depois de um amigo comum ter morrido, ouviu a notícia, tão lamentada por ele como tinha sido por mim, suspirou e resumiu: "Pois é, meu amigo, o mais triste é admitir que a morte, depois dos 60 anos, continua sendo lamentável, mas deixou de ser espetacular".

De qualquer maneira, essas pessoas, para as quais a idade lhes roubou a chance de morte com manchete, seguem vivendo com a mesma naturalidade de sempre, organizando festas, comemorando aniversários com algum espalhafato, inicialmente em datas redondas e depois a cada ano, viajando para lugares distantes sem seguro de vida, gastando mais do que a aposentadoria recomenda, trocando de carro antes que o seu desvalorize pelo uso e fantasiando o que fariam se ganhassem na Mega da Virada. Ou seja, vivendo como se fosse para sempre, plenas de alegria e de projetos, que só serão suportáveis para quem acredita, minimamente, que será possível realizá-los.

Entre esses otimistas, maravilhosamente incuráveis, circulam, disfarçados, os que sofreram um choque de realidade ao tomarem conhecimento de uma doença grave que, barulhenta como um câncer, ou silenciosa como uma cardiopatia progressiva, chegou não apenas para reiterar o que todos já sabiam, ou deviam saber, mas para, impiedosamente, comunicar do que será que um dia desses será.

Esses tipos podem participar das mesmas festas dos otimistas saudáveis, gargalhar por cortesia ou negação e até dissimular em extravagâncias, mas quem mirar no fundo dos olhos deles descobrirá onde mora a tristeza. Silenciosa e impassível. Como uma sentença.

JJ CAMARGO