18 DE AGOSTO DE 2018
MÁRIO CORSO
Equívocos do pragmatismo
Um dos inimigos da educação é o pragmatismo. Sabe aquelas perguntas: para que serve este conteúdo; quando vou usar isso na minha vida?
Engana-se quem crê que seja apenas desculpa de aluno preguiçoso. A partir dos anos 60 do século passado, aspectos do ensino tradicional foram jogados no lixo como sendo inúteis, irrelevantes, ou sem sentido. Retiraram tudo o que era esforço e repetição. Os mestres abriram mão de exercícios de fixação e memória.
Exemplo de algo hoje desvalorizado: caligrafia. O senso comum já a colocou no reino dos hábitos em extinção. O teclado seria uma evolução, e talvez, no futuro, as crianças não sejam iniciadas na arte da escrita manual. Afinal, para que serviriam horas de domesticação da motricidade fina?
Porém, os caminhos do nosso cérebro são mais complexos do que os pragmáticos imaginam. Caligrafia não melhora apenas o desenho das letras, ela está ligada, posteriormente, ao aumento da velocidade e fluência na leitura e na fala. É um exercício que treina o cérebro para a intimidade com os símbolos. Experimentos clínicos revelaram conexões impensáveis entre a escrita manual, desenho, e outras aptidões verbais.
O mesmo se deu com decorar, que virou decoreba. O apelido pejorativo já diz tudo. As habilidades com a memória foram desdenhadas. O importante seria entender. Óbvio, mas por que não treinar também a memória? É tolo pensar que, se decoramos um poema, ficamos limitados a isso. Aprendemos também a manter mais coisas na nossa cabeça ao mesmo tempo.
O psiquiatra e psicanalista Norman Doidge, de quem cito as teses, considera o cérebro assemelhado a um músculo, necessitando de exercícios de repetição para desenvolver seu tamanho e capacidade. Fala, escrita e leitura estão conectadas em um centro de processamento. Portanto, uma ajuda, ou atrapalha, a outra. Por isso, segundo ele, o abandono de certas práticas do ensino tradicional contribuiu para o declínio da eloquência.
O aumento do número de crianças com problemas de aprendizagem deve-se a que antes inúmeros transtornos eram sanados pelo assentar tijolos da repetição. Nem todos precisam disso, mas os cérebros são desnivelados, todos temos algumas funções cerebrais mais fracas. O exercício regular com as letras automatizava e arrumava conexões desajustadas.
Parte das crianças hiperativas nunca foi ensinada a ter foco. A multitarefa e a dispersão são características naturais. A capacidade de abstração e concentração é aquisição cultural e precisa ser desenvolvida. Mas como, se frustrar-se é pecado e o mínimo tédio um castigo?
Sem saudade do ensino autoritário, no qual não havia lugar para criatividade e individualidade. Mas, na pressa de mudar, jogaram fora o bebê com a água suja. O pragmatismo confundiu andaimes e escoras com o futuro prédio.
MÁRIO CORSO