domingo, 26 de agosto de 2018


25 DE AGOSTO DE 2018
MÁRIO CORSO

Um zoológico de amores

Tentando consolar a filha por uma perda, o pai sai com a frase: "Todo mundo morre, minha filha, homem, bicho, cavalo...".

Nem é preciso dizer que o autor da frase é um gaúcho, desses que levam o pampa gravado na alma. Dá para imaginá-lo mateando e bombeando o horizonte, enquanto filosofa sobre o inevitável.

A dica está na sua peculiar classificação: cavalo não entraria na categoria animal. Seria algo à parte, a terceira possibilidade da existência. Desvelando algo que não é só dele, mas de todo homem do campo. Afinal, o cavalo é a obra-prima da domesticação. Alia beleza à utilidade e força à fidelidade.

Das coisas que não vivi, me ressinto da falta de intimidade com cavalos. Andar ocasionalmente a cavalo não é o mesmo que ter um cavalo, ter feito uma jornada juntos; curtir o cansaço de horas de marcha, tendo apenas um ao outro por companhia.

Ao menos tive muitos e excelentes cães. Cada um com sua personalidade ímpar. Eram companheiros de aventuras, amigos para qualquer hora. Com sua energia impetuosa, o cachorro dá uma alma extra a qualquer casa.

Ter ou adotar não é um verbo correto para felinos. Convivi com inúmeros gatos de mentes esquivas e labirínticas. Eles são um exercício mental, nunca se deixam decifrar por completo. Passeiam pela casa como fantasmas benignos, arrastando uma elegância esculpida em pelos. São companheiros do sono, do silêncio, da mansidão, da preguiça ao sol.

Acho a maior tristeza uma infância sem animais. Mais do que o apelo lúdico, valem como experiência de alteridade. Descentram as crianças do eixo do humano, treinam sua empatia com outra espécie, as fazem decodificar uma mente estrangeira em todos os sentidos. São uma porta para entender a natureza e a nossa própria natureza, que vivemos a negar.

Mas tanta conversa só para dizer que não entendo o exclusivismo na paixão por animais: quem gosta apenas de uma espécie. Ou então, quem faz aquelas classificações tolas: gostar de cães versus gostar de gatos. Como se isso dissesse algo de alguém. A convivência com um animal é abertura para a diversidade, por que restringir-se a um tipo?

Nos afastamos da natureza no espírito e na prática. A magia do mistério da vida - e sua extraordinária pluralidade - já não faz parte do cotidiano. Estamos imersos no asfalto, vemos mais postes do que árvores. Os pets são a familiaridade possível com a vida animal, o que sobrou para alguém engaiolado no 10º andar.

Os pets são uma paixão controlada, uma natureza bonsai, mera amostra de um mundo abandonado. Mas é o que temos. Perdemos a floresta e criamos uma samambaia; longe da imensa fauna, nos contentamos com um poodle. Fazemos como as crianças, brincamos com mundos em miniatura. Elas, para treinarem para o futuro. Nós, para nos conectarmos com o passado.

MÁRIO CORSO