03 DE NOVEMBRO DE 2018
COMPORTAMENTO
Só para mulheres
CONHEÇA QUATRO EMPRESAS com empreendedoras e empregadas que focam seus serviços apenas no público feminino
Existe uma Porto Alegre onde homem não entra. Ela é feita de mulher para mulher, por empatia, segurança e também confiança no talento feminino.
Negócios com essa veia têm pipocado em razão do crescente empreendedorismo feminino, destaca a presidente do Conselho Estadual da Mulher Empreendedora da Federasul, Michele Modelski:
- A mulher vem desenvolvendo um papel de protagonista. Elas estão se tornando empresárias e se capacitando mais. E fazer negócios para a mulher é um bom caminho, porque ela está à frente da tomada de decisões do consumo familiar e consome mais do que o homem.
Resulta também de um movimento histórico, destaca Liliane Basso, coordenadora da Núcleo de Voluntariado Estudantil da ESPM, e preenche uma lacuna de um mercado de trabalho que muitas vezes tinha aquela "pitada de machismo". É o que explica a crescente profissionalização feminina em áreas como construção civil, dominadas até então por homens. Em Porto Alegre e região, existe até uma plataforma que reúne mulheres que fazem serviços de hidráulica, elétrica e alvenaria.
Amigas de Aluguel
- Duvido que vão conseguir fazer.
Quando a frase carregada de presunção deixa a boca de algum homem, chega aos ouvidos das Amigas de Aluguel com tom de desafio. Que elas costumam vencer, a propósito.
A empresa da porto-alegrense formada em Psicologia Luciana Dorfman, 48 anos, é composta apenas por mulheres e faz reparos domésticos para o público feminino. Isso inclui coisas como conserto do registro pingando, troca de cano estourado ou sifão entupido, limpeza de caixa de gordura, instalação de chuveiro e pintura de paredes.
Luciana relata que o negócio nasceu por necessidade própria, há pouco mais de três anos: a filha adolescente telefonou relatando que estava com medo porque havia dois homens fazendo instalações dentro da sua casa.
- Tem isso de a mulher se sentir desconfortável. Já é ruim na rua, imagina dentro de casa - comenta.
A equipe é composta por quatro funcionárias fixas, uma eletricista volante e, em determinados períodos do ano, colaboradoras temporárias. Elas garantem que mandam tão bem quanto os homens nesse mercado dominantemente masculino.
- Às vezes, até melhor. Tem muito serviço de homem que a gente conserta - comenta Josiane Collares, 33 anos.
Cadê Amélia
No logotipo do Cadê Amélia, a famosa figura de mulher sisuda que virou símbolo feminista não arregaça a manga para apenas exibir o bíceps musculoso: revela um braço completamente tatuado.
A versão de Rosie, a Rebitadora recepciona as clientes no endereço do bairro Rio Branco que afirma ser o primeiro estúdio de tatuagem e piercing exclusivo para mulheres do Brasil. Glaura Inácio Gonçalves, sócia- proprietária, diz que, ali, "os meninos não são bem-vindos". Nem mesmo o sócio homem pode circular pelo estúdio - seu trabalho, mais relacionado ao financeiro, é feito a distância.
Glaura diz que o objetivo não é levantar uma bandeira feminista e que a decisão de restringir a mulheres o atendimento foi uma opção de mercado. Uma pesquisa mostrou que o público feminino sentia falta de um espaço com mais privacidade, até porque algumas tatuagens são feitas em partes do corpo que exigem que as mulheres fiquem seminuas no estúdio.
- A gente criou o espaço para elas terem privacidade, conforto, saberem que vão estar em um espaço de mulheres que as entendem - justifica Glaura.
Academia Curves
Entrando na Academia Curves, no segundo andar de um prédio comercial do Menino Deus, percebe-se que não é um espaço destinado ao público masculino. A parede lilás, os frascos de perfume nas prateleiras e uma caixa de sabonetes com formato de rosas no banheiro são algumas das pistas. Mas não se trata apenas de decoração: homens são, de fato, proibidos no local quando tem alguém malhando.
Franquia de uma rede criada no Texas nos anos 1990 e que se espalhou por dezenas de países, a Curves aceita apenas alunas e só contrata instrutoras.
- Tudo que nos rodeia ainda é muito masculino. Este é um espaço onde a mulher pode se sentir confortável - afirma Tatiana Schaedler, proprietária da unidade que existe há sete anos.
Lá, as alunas podem malhar glúteo de bunda para cima sem temer olhares ou comentários de algum homem. Além disso, a conversa rola solta. E num ambiente sem homens, algumas orelhas ficam vermelhas em casa. Talvez não pelo motivo que os namorados e maridos gostariam.
- A gente fala mal deles - ri Tatiana.
Nuwa
Uma frase em inglês na parede traduz o espírito da casa de 270 metros quadrados no bairro Santana, em Porto Alegre: "Ei, garota, a gente pode fazer melhor se levantar uma à outra".
Iniciativa de duas jovens publicitárias, Gabriela Teló e Gabriela Stragliotto, ambas de 27 anos, o coworking Nuwa foi aberto há pouco mais de dois meses. Conta com 10 associadas e mira principalmente em profissionais de áreas criativas (como design e comunicação social) e estudantes.
Cada cômodo do imóvel da década de 1950 recebeu uma decoração acolhedora e funcional para que as mulheres se foquem em negócios, sem deixar de conversar - a ideia é que as gurias criem um networking e colaborem com o crescimento da outra.
Em um dos cômodos, foi colocada uma poltrona confortável pensando em mães que querem amamentar. Em outro, há um espaço amplo sem móveis para a realização de meditações guiadas. E tem também a sala de reuniões, isolada por uma parede de vidro. É a única em que os homens podem entrar - e, ainda assim, por um acesso lateral, para não cruzar a casa.
- A ideia de não permitir parte do entendimento que, mesmo que nem todos os homens tenham comportamento machista, quando tem um homem na sala, uma mulher pode estar se sentindo oprimida por experiências vividas ou por empatia por outras amigas - explica Gabriela Teló. - A gente não quer separar, acha importante que mulheres e homens lutem junto por direitos iguais. Mas, para conseguir se sentir mais confiante, precisava desse lugar neutro e seguro só para mulheres.
JÉSSICA REBECA WEBER
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